quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Um caso de possessão demoníaca


Um caso de possessão demoníaca

Publicado por Canal Ciências Criminais - 6 horas atrás

Um caso de possesso demonaca
Por Henrique Saibro
Você pode estar se perguntando qual a relação entre um caso de possessão demoníaca com as ciências criminais. Ora, são vários os liames de um assunto com o outro. É que, durante a Inquisição Católica, casos de denúncias envolvendo enredos diabólicos não viravam roteiros hollywoodianos; eles iam a julgamento.
HUXLEY, visionário escritor britânico, mais conhecido por seu romance utópico “Admirável Mundo Novo” e entusiasta do uso responsável do LSD, escreveu um ensaio crítico sobre um caso real de julgamento aos moldes inquisitoriais: uma suposta possessão de todo um convento em meados do século XVII, no interior da França, por diferentes demônios.
As supostas possuídas, em repetidas sessões de exorcismo, teriam acusado o pároco local Urban Grandier de ter feito um pacto com o diabo e de ser o responsável por todas as possessões demoníacas, culminando, então, no início de um longo processo voltado à apuração da denúncia, o que ensejou diversas torturas contra o padre e, ao final, a sua execução pública na fogueira.
Ocorre que o processo foi decorrência de um lobby por parte da população masculina influente na cidade francesa de Loundun, em razão de Grandier ser um jovem atraente devasso e bastante apreciado pelas fiéis – relacionando-se muitas vezes com esposas e filhas da alta sociedade francesa.
HUXLEY não se limita a narrar o caso mediante a análise de manuscritos e autobiografias dos personagens do episódio, mas também traça um interessante diagnóstico crítico sobre a política, religião, economia e, sobretudo, ao sistema processual da época – e daí a importância da obra para o presente estudo.
O escritor inglês deixa claro o quão paranoica e esquizofrênica era a sociedade do século XVII em estados regidos pela inquisição católica. Qualquer acontecimento atípico era visto com olhos sobrenaturais, como, por exemplo, tempestades devastadoras, impotência sexual e doenças venéreas. Tudo era imputado à feitiçaria, daí porque “as justificativas para espionar e as oportunidades para a delação e a perseguição eram inumeráveis” (HUXLEY, 2014, p. 156). HUXLEY ressalta que no auge da caça às bruxas do século XVI, “a vida social em determinadas regiões da Alemanha deve ter sido muito semelhante àquela sob o domínio nazista ou num país recentemente dominado pelos comunistas” (idem, ibdem).
Na época, um dos métodos para descobrir se uma pessoa era, de fato, um bruxo, era o investigado possuir um mamilo extra, ou ter adquirido, ao toque do dedo do diabo, algumas pequenas áreas de insensibilidade, onde o espetar de uma agulha não cause dor nem provoque sangramento. Para se ter uma ideia das fraudes investigativas da época, Grandier foi submetido ao referido teste, tendo o cirurgião Mannoury sido encarregado de fazer uma vivissecção no pároco:
Grandier foi despido, completamente depilado, vedaram-lhe os olhos e foi então sistematicamente picado até o osso com uma sonda longa e afiada. […] Depois de grande número de terríveis espetadelas, ele virava a sonda ao contrário e a pressionava contra a pelé do pároco. Milagrosamente não havia dor. O diabo tinha marcado o local (idem, op. Cit. p. 189-190).
A partir do início do século XVII, o simples fato de um cidadão ser declarado feiticeiro era considerado um crime capital. “O ato praticado pelo acusado podia ser inofensivo, como no caso da adivinhação, ou mesmo benéfico, como no caso de curas através de sortilégios e magias” (idem, op. Cit. p. 149). Se houvesse “prova” de que o acusado teria adquirido tais dons mediante “entrevista com o diabo”, o ato era criminoso e seu executor, condenado à morte.
As regras processuais tidas como justas na época, se fizermos um paralelismo com os nossos atuais padrões ocidentais, eram uma caricatura monstruosa da justiça. Permitia-se que qualquer testemunha fosse admitida como prova. “E não só toda a gente, incluindo crianças e seus inimigos mortais, era aceita como testemunha; toda espécie de prova era também admitida – boatos, mexericos, deduções, sonhos recordados, declarações feitas por possuídos” (idem, op. Cit. p. 152).
Igualmente, a tortura estava sempre de acordo com os regulamentos jurídicos, frequentemente utilizada para obter confissões. Ocorre que com a tortura vinham as falsas promessas em relação à sentença final. Existiam três alternativas, legalmente previstas, ao alcance dos magistrados. A primeira ele podia prometer à “bruxa” conservar a sua vida mediante a condição de revelar outras “bruxas”, sendo que a mantença dessa promessa era mera faculdade do julgador. Se mantivesse a sua palavra, o apenamento mortal era convertido para prisão perpétua “em solitária a pão e água” (idem, op. Cit. p. 153).
Havia uma segunda alternativa consistente na quebra da promessa de que a vida da bruxa seria preservada. É dizer, após ser colocada na prisão, o plácito era mantido por algum tempo, mas “depois de um determinado período ela será queimada” (idem, ibdem).
Por fim, a terceira possibilidade era a de o juiz poder “prometer sem risco a vida à acusada, mas de tal modo que depois poderá renunciar à obrigação de proferir a sentença, incumbindo outro juiz em seu lugar” (idem, ibdem). Isso era um processo justo, regido por regramentos inquisitivos, durante o século XVII.
Nunca devemos duvidar da capacidade maléfica do ser humano – “não existe horror que não possa ser aventado por mentes humanas. Sabemos o que somos, mas não sabemos o que podemos ser” (idem, op. Cit. p. 229). Em tempos brasileiros de recrudescimento da moralidade e do fundamentalismo, ainda mais quando estabelecidos em plena Câmara de Deputados e no Senado, tudo é possível. Esperemos que continuemos avançando temporalmente e não regressemos nos meados do século XVI. Caso contrário, novas bruxas surgirão e a caçada (re) começará.

Renovação, corrupção e ética processual


Renovação, corrupção e ética processual

Publicado por Canal Ciências Criminais - 1 dia atrás

Por Felipe Faoro Bertoni
Prezados leitores que acompanham o Canal Ciências Criminais, depois de um breve recesso nas atividades, a equipe está de volta à ativa, com o ânimo renovado e com a expectativa de um ano repleto de muito trabalho e muito desenvolvimento. E é imbuído nessa intenção renovatória, motivada pela passagem do ano de 2015 e pela chegada do ano de 2016, que escrevo a presente coluna.
O encerramento de um ciclo sempre nos coloca a pensar sobre os fatos ocorridos no seu curso, ocasiões em que questionamos o que houve de errado e valoramos os acertos. E que, consciente e inconscientemente clamam por justiça. Evidente que o pleito é legítimo.
Não canso de dizer que essa perspectiva – tal como o desague de uma enxurrada – transpassa a comunidade pertencente ao senso comum e reflete no atuar dos operadores do Direito. Um equívoco, pois no âmbito do Direito e Processo Penal a imparcialidade deve sempre ser preservada.
Por outro lado, não podemos esquecer a máxima de que “um governo possui a face do seu povo”, lembrando também que a corrupção não existe somente no Estado, mas em diversas ações quotidianas, muitas vezes cometidas pelas mesmas pessoas que clamam por “justiça” e pelo fim da corrupção. De fato, não estamos livres de uma sociedade em que o troco a mais não é devolvido, a ordem das filas é respeitada, os caixas e assentos preferenciais são utilizados de forma apropriada, a pirataria de mercadorias não é incentivada. São “pequenas” atitudes que entonam a genealogia de uma lógica cultural corrupta, que fundamenta os desvios em termos macros.
De todo o modo, vale destacar que o Processo Penal, em sua atual moldura, tem sido encarado como um campo de batalha no qual as partes adversas devem se valer de suas mais poderosas armas para conquistar seus objetivos. Será mesmo necessária a adoção dessa visão maniqueísta? Em tese, as regras processuais são claras e todos deveriam prezar por sua obediência, tanto acusação quanto defesa, com a finalidade de garantir a punição legítima, necessária e fundamental, com a observância do que se costuma chamar de “regras do jogo”. Ao invés de um “campo de guerra”, o processo deveria ser um lugar de respeito mútuo, com as ditas e contraditas lisas, polidas e adequadas à solenidade do ato realizado. Um local onde a ética deveria imperar, tanto para a acusação quanto para a defesa.
De um lado, a acusação deveria ser formulada nos limites da legalidade – sem a incidência de excesso ou desvirtuação de acusação – e o caminho percorrido para o alcance de eventual punição deveria ser claro como a luz solar, diante da existência de provas legalmente produzidas. De outra banda, a defesa deveria também sempre agir com ética em favor de seu representado, zelando para que seus Direitos e Garantias processuais e materiais sejam observados, nunca extrapolando os limites de sua atuação, dentro ou fora do processo.
Embora tormentoso – pois toca, em uma ponta, na liberdade humana, e, na outra, no sentimento da vítima ou da sociedade – o Processo Penal não pode ser influenciado por fatores exógenos e deve contar com a contribuição dos atores processuais para que haja a menor intensidade de dor envolvida.
Por fim, o maniqueísmo reducionista de que tudo pode no campo de guerra do processo deve ser superado. Afinal, nem toda a condenação é merecida e nem toda a absolvição é uma injustiça.

O que é Exame Criminológico?


O que é Exame Criminológico?

Publicado por Hewdy Lobo - 21 horas atrás

Lei de Execução Penal – LEP (Lei nº 7.210 de 11 de Julho de 1.984) dispõem da seguinte maneira em seu Artigo :
Art. 5º Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal.
Referido artigo têm como escopo que o sentenciado carece de tratamento penitenciário adequado, estes dentro do estabelecido por Lei.
O Exame Criminológico é um Parecer Médico elaborado por Peritos Oficiais. Isto é, é feita toda uma fase de análises e avaliações do periciando pelos Peritos para que no final seja elaborado um relatório descrevendo todas as capacidades psíquicas deste dito-cujo.
Lembrando que estes Peritos Oficiais nada mais é que aquela pessoa (Psiquiatra Forense) que é nomeado por Juízes, há essa nomeação, pois, na área médica a pessoa do Juiz não tem conhecimento em determinada ciência.
Importante alvitrar que o Perito para a formação de seu juízo para o Exame Criminológico deve certeza sobre o caso, deverá se atentar para a vida pregressa do periciando, no qual será observado:
  • O início da criminalidade;
  • Reincidência genérica ou específica;
  • Criminalidade interlocal;
  • Grau de aproveitamento das atividades úteis oferecidas;
  • Disciplina carcerária do mesmo.
Não obstante, serão observados também na entrevista, à vida afetiva, princípios morais, planos que o mesmo tem para o futuro, capacidade pragmática, capacidade de crítica sobre o fato criminoso que o mesmo foi causador.
Portando, tudo que foi mencionado acima, deve-se ter o Perito responsável a prudência de fazer aquilo tão somente que é sintomas clínicos do paciente, ou seja, não inventar sintomas e muito menos, omitir. Deve-se desempenhar seu papel sob uma boa Ética Médica.
A Equipe Vida Mental tem total profissionalismo para realizar estas Avaliações da Saúde Psíquica de todo e qualquer indivíduo e também atua como Assistente Técnico. Vida Mental segue total Ética Moral, Profissional e Médica.

Queixa-crime: os limites do princípio da indivisibilidade


Queixa-crime: os limites do princípio da indivisibilidade

Publicado por Canal Ciências Criminais - 1 dia atrás

Queixa-crime os limites do princpio da indivisibilidade
Por Cezar de Lima
Após um período de recesso nas colunas, começamos esse ano abordando um tema muito delicado para o jovem advogado criminalista. O Código de Processo Penaldisciplina a queixa-crime, peça inicial para os casos de ação penal privada, no qual estabelece diversas formalidades que devem ser observadas pelos advogados, dentre elas destacamos:
1) Procuração com poderes especiais: No instrumento é necessário constar o nome do querelante e a menção detalhada do fato criminoso (art. 44 do CPP);
2) Hipóteses de perempção: (art. 60 do CPP) ex: querelante não se manifestou no prazo de 30 dias;
3) O princípio da indivisibilidade: (art. 48 do CPP);
4) Valor da Causa.
Nos casos de ação penal privada, a atenção do advogado deve ser redobrada, uma vez que a não observância de qualquer das formalidades estabelecidas poderá causar um enorme prejuízo às partes do processo.
No ano passado, atendi dois clientes (querelados) que estavam sendo acusados por ter, supostamente, praticado o crime de injúria e difamação contra o querelante. Ao analisar o caso, verifiquei que a peça inicial não atendia algumas formalidades exigidas pelo CPP, como: não descrever detalhadamente o fato criminoso na procuração e não individualizar o nome dos querelados separadamente.
Tal situação não poderia terminar diferente, a queixa-crime não foi recebida e a ação foi arquivada.
Apesar de muitos detalhes, queremos chamar atenção do leitor para o princípio da indivisibilidade nas ações penais privadas.
Como previsto na legislação, caberá ao procurador do querelante nominar individualmente na procuração o nome de cada querelado, sob pena de estar fazendo uma renuncia tácita (art. 49 do CPP).
“(…) o direito de queixa é indivisível, é dizer, a queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos (art. 48 do Código de Processo Penal). Dessarte, o ofendido não pode limitar a este ou aquele autor da conduta tida como delituosa o exercício do jus accusationis, tanto que o art. 49 do CPP dispõe que a renúncia ao direito de queixa em relação a um dos autores do crime, a todos se estenderá. Portanto, o princípio da indivisibilidade da ação penal privada torna obrigatória a formulação da queixa-crime em face de todos os autores, co-autores e partícipes do injusto penal, sendo que a observância de tal princípio acarreta a renúncia ao direito de queixa, que de acordo com o art. 107, inciso V do Código Penal é causa de extinção da punibilidade” (Ministro do STJ Felix Fischer; Trecho do seu voto no RHC 55.142/MG).
Nesse sentido, fica o advogado obrigado a indicar o nome de todos os envolvidos, seja autor, co-autor ou partícipe, não sendo aceitável indicar na procuração “Querelados: LICURGO COVEIRO e OUTROS”. Tal situação, que está sendo utilizada por muitos colegas, não pode ser admitida, sob o erro de estarmos violando o princípio da indivisibilidade da ação penal privada.

Defensor público pode ser proibido de sustentar alguma tese?


Defensor público pode ser proibido de sustentar alguma tese?

Publicado por Bruno Alexandre Rocha - 1 dia atrás

Imagine que você, na condição de defensor público, se depare com um assistido acusado de praticar o crime de lesão corporal contra um homossexual, dizendo que somente agrediu a vítima porque ela passou por ele com “trajes inadequados” e insinuou um flerte, razão pela qual teria agido em defesa da própria honra. Se o exemplo lhe parece um pouco distante, imagine uma situação frequente na Defensoria Pública: o assistido, pronunciado e submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri por ter matado a sua mulher, alega que praticou o crime para defender a própria honra, pois teria encontrado a vítima lhe traindo com um vizinho.
O defensor público, diante desses casos hipotéticos apresentados, poderia sustentar em favor do assistido a tese da legítima defesa da honra? Se a resposta for positiva, questiona-se: ao proceder dessa forma, não estará o defensor público assumindo a esquizofrênica[1] postura de promover os direitos humanos sustentando teses que reproduzem e aprofundam violações a direitos humanos? Se a resposta àquela pergunta for negativa, questiona-se: é possível estabelecer um “controle ético ou ideológico do argumento”? Sendo mais claro: o defensor público pode ser proibido de sustentar alguma tese? Vejamos.
Antes de prosseguir, tenhamos em conta que o assunto não é apenas polêmico na prática, mas também complicado no plano teórico, envolvendo, inclusive, um confronto entre objetivos da Defensoria Pública: de um lado, a primazia da dignidade da pessoa humana e a prevalência e efetividade dos direitos humanos (artigo 3º-A, I e III[2]), que certamente exigem da Defensoria uma atuação comprometida com os direitos humanos; e de outro, a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (artigo 3º-A, IV), que reclamam uma atuação comprometida com os interesses do assistido. O mesmo confronto se verifica entre funções institucionais da Defensoria, havendo, de um lado, a função de promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico (artigo 4º, III) e, de outro, a função de promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados (artigo 4º, X).
Não simpatizo com a ideia de censurar ou de proibir que o defensor público sustente determinada tese em favor de seu assistido. A liberdade de argumento é indissociável de uma defesa criminal efetiva. Assim, qualquer espécie de controle ético ou ideológico sobre a atuação do defensor público deve ficar no plano da recomendação, e não no da proibição, e isso porque, embora existam algumas teses que reproduzam concepções contrárias aos direitos humanos, a possibilidade de limitar o discurso defensivo — em questões de gênero, por exemplo — pode encontrar terreno fértil no Brasil e ser ampliada para outros temas menos sensíveis, numa tentativa de convergir a defesa criminal com valores comunitários morais ou éticos.
Se o controle ético ou ideológico da defesa criminal não pode impedir a sustentação de determinado argumento, tal conclusão não veicula, porém, uma obrigação de o defensor público necessariamente encampar a fala do acusado, já que nem sempre haverá uma vinculação entre as defesas técnica e pessoal no processo penal, sendo o defensor e o acusado, conforme adverte Claus Roxin, reciprocamente autônomos[3]. Por isso, deparando-se o defensor público com o requerimento de algum assistido para que sustente determinada tese contrária aos direitos humanos (a legítima defesa da honra em casos de feminicídio, por exemplo), entendo que o defensor poderá se valer de sua prerrogativa de deixar de patrocinar a ação (no que se insere também a defesa) por considerá-la manifestamente incabível ou inconveniente aos interesses da parte (artigos 44XII89XII, e 128XII, da LC80/94).
Constituição Federal incumbiu à Defensoria Pública a promoção dos direitos humanos (artigo 134, caput), de modo que é possível extrair dessa função, segundo a lição de Renata Tavares da Costa, “uma obrigação positiva, ou seja, de assegurar o efetivo acesso de gozo de tais direitos, bem como uma posição negativa, qual seja, de abster-se de determinadas atitudes que aprofundem a violação destes direitos”[4]. Pode ser que, em algumas ocasiões, a efetividade da defesa criminal esteja condicionada justamente a um discurso contemporâneo e inteligente que conduza, por exemplo, um caso de violência de gênero a partir da diminuição da culpabilidade do acusado diante de sua formação moral num ambiente discriminatório, e não a partir de uma sugestionada culpa da vítima[5].
A Defensoria é responsável pela construção de sua história e, mais do que isso, pela consolidação de sua identidade. Pode ser apenas (mais) uma instituição no cenário jurídico do país, e assim contribuir para a manutenção do status quo, mas pode, também, representar o novo, abrir o armário das ideias eticamente comprometidas com os direitos humanos e colocar na gaveta tudo aquilo que produziu e que ainda produz discriminação, dor e sofrimento.
[1] A expressão é de Renata Tavares da Costa: “Isso, em hipótese alguma, pode significar uma limitação de atuação no campo da defesa, que deve ser amplo, mas efetivamente no reconhecimento de que esta defesa deve ser ética e feita dentro dos parâmetros institucionais previstos na Constituição. Ou seja, o defensor não pode ter a esquizofrênica posição de promover os direitos humanos e, ao mesmo tempo, sustentar teses que sustentem tais violações de direitos” (Os direitos humanos como limite ético na defesa dos acusados de feminicídio no Tribunal do Júri. In: XII Congresso Nacional de Defensores Públicos. Livro de teses e práticas exitosas. Curitiba, 2015, p. 207).[2] Esse e os demais dispositivos citados no parágrafo são da LC 80/94.[3] ROXIN, Claus. Pasado, presente y futuro del Derecho Procesal Penal. Sante Fé: Rubinzal-Culzoni, 2007, p. 58. No mesmo sentido, afirma Fernandes que “(...) o defensor é independente não só do tribunal e do Ministério Público, mas também do seu próprio cliente” (FERNANDES, Fernando. O Processo Penal como Instrumento de Política Criminal. Coimbra: Almedina, 2001, p. 368).[4] Os direitos humanos como limite ético na defesa dos acusados de feminicídio no Tribunal do Júri. In: XII Congresso Nacional de Defensores Públicos. Livro de teses e práticas exitosas. Curitiba, 2015, p. 207.[5] Mais uma vez cito o instigante trabalho de Renata Tavares da Costa, apresentado com muito entusiasmo no XII Congresso Nacional de Defensores Públicos, em que ela desenvolve a tese do homem como “vítima cultural”: “E aqui reside o grande argumento para os Defensores que no júri estão para a defesa daqueles que perpetraram a violência extrema contra a mulher: se essa violência é resultado de séculos de discriminação, é justo ou proporcional imputá-la somente ao sujeito que está sentado no banco dos réus? (...) Neste sentido é que o argumento da legítima defesa da honra nos casos do feminicídio no Tribunal de Júri deve ser substituído pelo argumento da cultura de discriminação produzida numa série de omissões estatais que fazem o agressor uma espécie de vítima cultural” (Os direitos humanos como limite ético na defesa dos acusados de feminicídio no Tribunal do Júri. In: XII Congresso Nacional de Defensores Públicos. Livro de teses e práticas exitosas. Curitiba, 2015, p. 207).

Mandado de Segurança e o CPC/2015


Mandado de Segurança e o CPC/2015

Publicado por Gisele Leite - 1 dia atrás

Mandado de Segurana e o CPC2015
O artigo trata dos aspectos preliminares do mandado de segurança em face da Lei12.016/2009 e ainda em confronto com as disposições do CPC/2015.·.

1. Cabimento do mandado de segurança

O art. caput, da Lei 12.016/2009 prevê a hipótese de cabimento do mandado de segurança[1], havendo tão somente duas diferenças do texto legal atual quando comparado com o art. 1º, caput, da antiga Lei 1.533/1951.
A definição do “direito líquido e certo” é prevista pela melhor doutrina e, referem-se, exclusivamente, aos fatos, que, por essa razão, deverão ser provados de maneira incontestável e clara pelo impetrante.
Por mais tormentosa que seja a questão jurídica no caso concreto a esse respeito, jamais se retirarão essas características do direito do impetrante quando os fatos estejam devidamente comprovados.
Compreende-se que, por mais intrincada a questão de direito e por maiores dúvidas que exista, se a fundamentação fática da pretensão for demonstrada por prova documental, o direito alegado será líquido e certo, bastando o julgador decidir se ele existe ou não existe.
A matéria já fora alva de súmula do STF que, após reiteras decisões, firmou o entendimento de que, mesmo sendo controvertida a questão de direito, há possibilidade de concessão de mandado de segurança.
A certeza[2] e liquidez[3], portanto, referem-se aos aspectos fáticos da pretensão, não sendo a das mais felizes a consagrada expressão “direito líquida e certa”.
O direito protegido pelo mandado de segurança exige do impetrante prova pré-constituída suficiente para convencer o juízo tocante ao aspecto fático de sua pretensão.
A última lei tão somente adequou à legislação infraconstitucional ao texto constitucional, mais precisamente ao art. 5º, LXIX, que expressamente prevê a exclusão do mandado de segurança quando cabível tanto o habeas corpus comohabeas data.
Conforme lembra corretamente a melhor doutrina, nem toda exibição de dados pela Administração Pública por meio jurisdicional se dá por meio do habeas data, bastando para tanto recordar do pedido incidental de exibição de documentos previsto no art.§§ 1º e  da Lei 12.016/2009.
Nesse caso, porém, a pretensão do autor não se exaure na exibição, que servirá tão somente como meio a instrumentalizar outra pretensão, buscada em sede principal pelo mandado de segurança.
O raciocínio exposto quanto ao habeas data não é novo, sendo igualmente aplicado quanto ao habeas corpus[4]. Quando o objetivo final do autor é a liberdade de locomoção, o meio processual adequado é o habeas corpus, mas sendo tal liberdade tão somente um meio para obtenção de outra pretensão, o cabimento do mandado de segurança é indiscutível.
Exemplo clássico é o do advogado impedido de ingressar em estabelecimento prisional para se comunicar com seu cliente, que, nesse caso, vale-se do direito de ir e vir somente como meio para exercício de sua profissão, daí ser cabível o mandado de segurança.
Além de não ser tutelável pelo habeas data[5] e pelo habeas corpus para ser cabível o mandado de segurança, é indispensável à prática de ato de omissão por parte da autoridade.
Existe uma restrição ao ato ou omissão impugnável[6] pelo mandado de segurança, que necessariamente bem como por particular no exercício de função pública em decorrência de delegação.
E, necessariamente, tal ato ou omissão deve ser maculado por uma ilegalidade ou por abuso de poder. No primeiro caso têm-se os atos vinculados que ofendem a lei. No segundo caso, os atos discricionários praticados por autoridade incompetente (excesso de poder) e que ofendem o interesse público[7] (desvio de poder ou de finalidade) podem ser objeto de impugnação por meio de mandado de segurança.
Por fim, o art. caput, da Lei 12.016/2009 prevê que o mandado de segurança é admissível tanto antes como depois da prática do ato ou omissão impugnado. Assim é possível a obtenção de tutela inibitório por meio de mandado de segurança, evitando-se a prática ilegal ou praticada como abuso de direito.
O chamado mandado de segurança preventivo[8] exige a comprovação de risco objetivo e fundado de que a ilegalidade ou o abuso de direito esteja na iminência de ocorrer, comprovado por atos preparatórios ou indícios neste sentido (STJ, 1ª Turma, RMS 19.217/PR, rel. Min. Luiz Fux, j. 03/02/2009, Dje 26/03/2009).

2. Vedações específicas ao cabimento do mandado de segurança

2.1 Ato de gestão comercial
Em previsão inédita a Lei 12.016/2009 consagra a distinção entre atos de império e os atos de gestão praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionária de serviço público.
Dessa forma, passa a ser expresso em lei o não cabimento de mandado de segurança contra ato de gestão comercial, reservando-se o mandamus contra atos referentes às suas atribuições institucionais. Já era esse entendimento consagrando no STJ e, apesar da novidade legislativa, aparentemente o dispositivo legal ora comentado não trará maiores alterações na praxe forense.
Não se discordar de parte da doutrina que aponta para dificuldade prática em algumas circunstâncias para se distinguir ato de atividade-meio e atividade-fim, devendo o intérprete sempre se guiar pela espécie de norma que regre a relação jurídica de direito material.
Sendo normas de direito privado, não se sujeitará ao mandado de segurança, porque, nesse caso, ficará claro que o ato é de mera gestão comercial, não se confundindo com a finalidade institucional da pessoa jurídica.
A OAB, entretanto, ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.296), na qual, ao impugnar uma série de dispositivos legais da Lei 12.016/2009, incluiu o art. , § 2º, ao afirmar que a vedação constitui violação à inafastabilidade da jurisdição consagrada na vedação constitui violação à inafastabilidade da jurisdição consagrada no art. XXXV da CF/1988.
Não acredito que a justificativa seja válida para se chegar à conclusão de inconstitucionalidade, até porque o direito de ação continua intacto[9], só não se admitindo uma espécie determinada de ação, que é o mandado de segurança.
Essa afirmação não significa que a opção do legislador em impedir o mandado de segurança nesse caso seja adequada, mas também não se pode afirmar que seja inconstitucional.
2.2 Ato do qual caiba recurso[10] administrativo com efeito[11] suspensivo independentemente de caução
Reprisa com mínima alteração redacional o art. I da Lei 1.533/1951, não autoriza conclusões que contrariem o princípio da inafastabilidade da jurisdição, consagrado em nosso texto constitucional, art. 5, inciso XXXV, de forma a não ser vedada à parte a escolha do mandado de segurança, mesmo quando exista no caso concreto a viabilidade de se resolver o conflito por meio de processo administrativo.
Tampouco condiciona a parte a esgotar a via administrativa de solução do conflito antes de ingressar com o mandado de segurança, porque tal circunstância está limitada à solução dos conflitos na seara desportiva, nos termos art. 217§ 1º daCF/1988.
O que preciso observar no caso concreto, e nisso o dispositivo legal em comento, não inova, é se a parte ingressa com mandado de segurança tem interesse processual em movimentar a máquina jurisdicional.·.
Entende-se que, havendo interposição de recurso administrativo com efeito suspensivo, o que naturalmente depende da vontade da parte, não haverá necessidade de se procurar o Judiciário[12], porque inexistirá lesão ou grava ameaça de lesão ao direito discutido no âmbito administrativo.
O ato impugnado, afinal, terá seus efeitos suspensos até o julgamento do recurso. A falta de interesse de agir, nesse caso, não atinge somente o mandado de segurança, como poderia equivocadamente surgir o artigo legal ora analisado, mas toda e qualquer espécie de ação judicial pela qual se pretenda debater a matéria que já enseja sendo discutida em processo administrativo desde que nesse exista pendência de julgamento de um recurso com efeito suspensivo.
Não é correto o entendimento de que a interposição de mandado de segurança sempre importa em renúncia ao direito administrativo ou desistência do recurso já interposto e pendente de julgamento.
Já existindo o recurso administrativo interposto, o impetrante, diante da ausência de interesse de agir, terá seu mandado de segurança rejeitado; não é possível que a interposição acarrete a desistência tácita do recurso administrativo, porque, o impetrante não reúne as condições da ação, o mandado de segurança não tem como seguir adiante.
O mesmo ocorre durante o prazo recursal, ainda que não tenha sido interposto o recurso administrativo com efeito suspensivo, somente haverá interesse de agir no mandado de segurança se o impetrante renunciar expressamente ao recurso dentro do prazo recursal.
As ponderações feitas acima levam em consideração a exata concepção do conceito de efeito suspensivo. Como bem apontado pela melhor doutrina, a afirmação de que o recurso tem efeito suspensivo não pode ser considerada decisão, mas sim sua recorribilidade, ou seja, a mera previsão de um recurso que tenha como regra efeito suspensivo.
Havendo a previsão em lei de recurso a ser recebido com efeito suspensivo, a decisão recorrível por tal recurso já surge no mundo jurídico ineficaz, não sendo a interposição do recurso que gera tal suspensão, mas a previsão legal de efeito suspensivo.
O recurso, nesse caso, uma vez interposto, prolonga o estado inicial de ineficácia da decisão até seu julgamento, o que significa dizer que, mesmo antes de sua interposição, o impetrante não tem interesse de agir para o mandado de segurança, porque a decisão que lhe é prejudicial e nesse momento ineficaz.
É sabido que as condições da ação devem ser analisadas a qualquer momento do processo, sendo admissível a carência superveniente, quando uma das condições da ação deixa de existir durante o procedimento.
Esse entendimento é importante na hipótese de o recurso administrativo que não tem originariamente efeito suspensivo vir a tê-lo naquilo que a doutrina entende por efeito suspensivo vir a tê-lo, naquilo que a doutrina entende por efeito suspensivo impróprio.
A partir do momento em que for atribuído efeito suspensivo ao recurso administrativo, o impetrante passará a ser carecedor da ação (perda superveniente do interesse de agir).
Para boa parte da doutrina, na esfera tributária, quando se discute judicialmente a dívida ativa da Fazenda Pública, não se aplica o artigo legal ora analisado, sendo também inaplicáveis as lições anteriormente expostas. Tudo por conta da previsão contida no artigo 38parágrafo único, da LEF (Lei 6.830/1980), que determina implicar a opção pela via judicial na automática renúncia ou desistência da discussão administrativa envolvendo o ato impugnado. Nesse sentido, pende a jurisprudência dominante do STJ.
Um aspecto positivo da redação do dispositivo legal é a expressa previsão de que o não cabimento de mandado de segurança depende de recurso administrativo que independa de caução.
Está correto o legislador, pois a mera necessidade de prestar a caução no processo administrativo já é o suficiente, independentemente dos efeitos do recurso, para que a parte possa buscar o amparo no Judiciário por meio do mandado de segurança.
Afinal, poderá obter a tutela jurisdicional, ainda que de urgência, sem a necessidade de caucionar o juízo, vide o art. III da Lei 12.016/2009 que não condiciona a concessão de liminar à prestação de caução, o que já é o suficiente para mostrar a existência de necessidade da tutela jurisdicional.
2.3 Decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo.
Segundo o art. II da Lei 12.016/2009, não se concederá mandado de segurança contra decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo, parecendo que a interposição de Mandado de Segurança em desrespeito à previsão legal leva o processo à extinção, sem resolução de mérito por impossibilidade jurídica do pedido.
É preciso registrar que o dispositivo legal em comento, ao menos em sua literalidade, trouxe considerável novidade ao sistema processual, tendo em vista que o artigo ,II da Lei 1.533/1951 previa o não cabimento de decisão passível de recurso, sem qualquer menção aos efeitos do recurso cabível. A compreensão exata do dispositivo legal exige uma breve análise das diferentes espécies de efeito suspensivo presentes nosso ordenamento jurídico.
Nem todo recurso tem efeito suspensivo previsto em lei, mas, em todos eles, é possível a sua obtenção no caso concreto, desde que preenchidos determinados requisitos[13]. O efeito suspensivo previsto em lei, que de nada depende para ser gerado, é chamado de efeito suspensivo próprio (ope legis), enquanto o efeito suspensivo obtido no caso concreto, a depender de preenchimento de determinados requisitos porque em regra o recurso não o tem, é chamado de efeito suspensivo impróprio (ope judicis).
O dispositivo legal parece tratar do efeito suspensivo próprio, não havendo mesmo qualquer necessidade de se valer a parte do mandado de segurança, quando pode se valer do recurso de se valer a parte do mandado de segurança, quando pode se valer do recurso previsto em lei que tenha efeito suspensivo. Faltaria, nesse caso, o interesse de agir no mandado de segurança, pelos mesmos motivos expostos no art.I da Lei 12.016/2009.
Uma interpretação literal do dispositivo legal levará o operador a concluir, contrario sensu, que, sendo cabível da decisão recurso sem efeito suspensivo, passa ser cabível o mandado de segurança.
A conclusão, entretanto, não pode ser essa, sendo pacificado o entendimento de que mesmo decisões passíveis de recurso sem efeito suspensivo não podem ser impugnadas por meio de mandado de segurança.
Existe inclusive o mesmo entendimento sumulado no Supremo Tribunal Federal nesse sentido, ainda que em interpretação do atualmente revogado inciso II do art. 5º da Lei 1.531/1951.
Para se compreender a possibilidade de impugnação de pronunciamento judicial por meio de mandado de segurança, é preciso visualizar quatro situações:
1. O despacho não é recorrível nem impugnável por mandado de segurança, considerando tratar-se de pronunciamento que meramente dá andamento ao procedimento;
2. Decisão recorrível por recurso com efeito suspensivo (efeito próprio) não é impugnável por mandado de segurança;
3. Decisão recorrível por recurso sem efeito suspensivo pela literalidade do dispositivo passa a ser impugnável por mandado de segurança;
4. Decisão irrecorrível é impugnável por mandado de segurança;
5, decisão transitada em julgada não atacável por mandado de segurança (art. III, da Lei 12.016/2009).
No tocante a decisão recorrível por recurso sem efeito suspensivo, a jurisprudência firmada antes da atual normatização do mandado de segurança indicava para a possibilidade de mandado de segurança tão somente em situações teratológicas, quando o mecanismo recursal previsto em lei não se mostrasse eficiente para efetiva tutela dos interesses da parte.
A regra era, portanto, o não cabimento de mandado de segurança, considerando-se que, nos termos do art. 558 do CPC/73 (art. 932 do CPC/2015), o agravo de instrumento e mesmo a apelação poderiam receber efeito suspensivo no caso concreto, desde que preenchidos os requisitos legais (efeito suspensivo impróprio).
Há diversas decisões do STJ entendendo incabível o mandado de segurança quando cabível agravo de instrumento, considerando que esse recurso, apesar de não ter efeito suspensivo automaticamente previsto em lei, poderá receber efeito suspensivo no caso concreto nos termos dos artigos 527III e 558, ambos do CPC/73 (art. 1.017do CPC/2015). Há decisões, inclusive, que negam cabimento, até mesmo de ação cautelar inominada nesses casos.
Como ensina boa parte da doutrina, o cabimento do Mandado de Segurança contra decisão judicial só será admitido quando o recurso cabível contra ela não tiver e nem puder ter efeito suspensivo.
Justamente por concordar com esse entendimento, tenho extrema dificuldade na missão do mandado de segurança contra decisão que possa ser atacada por recurso, independentemente da previsão de efeitos suspensivo, porque parto da premissa de que o art. 558 do CPC/73 é regra de teoria geral dos recursos, de forma que, em qualquer recurso que não tem previsão em lei, o recorrente poderá obter efeito suspensivo, desde que preenchidos os requisitos: a) pedido expresso; b) relevância da fundamental recursal; c) perigo de grave dano derivado da geração imediata dos efeitos da decisão impugnada.
No STJ, existem decisões que admitem dentro de uma excepcionalidade gritante a interposição de mandado de segurança contra decisão recorrível, desde que:
a) Trate-se de decisão teratológica, o que acarreta a aberratio iuris; e,
b) potencial da decisão de gerar grave dano de difícil ou incerta reparação.
A regra, portanto, é pelo não cabimento do mandado de segurança quando a decisão for recorrível, independentemente dos efeitos de tal recurso. O STF parece também limitar o cabimento do mandado de segurança às decisões irrecorríveis.
Em face do posicionamento ora defendido, mesmo diante de decisão teratológica, ata a gerar um grave dano de difícil ou incerta reparação à parte, entendo que o caminho correto é a interposição do recurso cabível e, quando ausente da lei, o pedido expresso de concessão de efeito suspensivo, com o que sempre se permitirá ao recorrente evitar danos.
Reconheço, entretanto, que, para parte da doutrina que entende ser o art. 558 doCPC/73 (art. 932 do CPC/2015) de aplicação restritiva, recursos que não previstos no dispositivo legal e que não tenham efeito suspensivo previsto em lei não são aptos a impedir danos irreparáveis ou de difícil reparação, sendo, nesse caso, cabível o mandado de segurança com forma de preservação efetiva dos interesses da parte sucumbente diante da decisão judicial.
É preciso observar, entretanto, que nesse caso, não caberá tão somente o mando de segurança, que nunca poderá funcionar como substitutivo do recurso previsto em lei, afinal, a decisão não impugnada pelo recurso cabível (e, nesse tocante a questão da eficácia é irrelevante) preclui, e o mandado de segurança não impede a geração dessa consequência.
Dessa forma, a parte deverá cumular meios de impugnação; ingressar com o recurso cabível para evitar a preclusão e com mandado de segurança para impedir que a decisão recorrida venha gerar efeitos imediatos.
O mandado de segurança é utilizado, na realidade, coo instrumento para atribuir efeito suspensivo a recurso que não o tenha, sendo certo que, no tocante ao recurso especial e extraordinário, os tribunais superiores já pacificaram o entendimento de que essa tarefa deva ser cumprida por meio de processo cautelar inominado, não obstante também aceitem, ainda que a contragosto, o mandado de segurança.
Esse entendimento, entretanto, só tem aplicabilidade nas hipóteses nas quais o recurso cabível contra a decisão não será eficaz para reverter a razão de ineficácia ser outra, é natural de nada adianta interpor o recurso e pedir em sede de mandado de segurança a concessão de efeito suspensivo.
Nesse caso, bastará a interposição do mandado de segurança que evitará a preclusão da decisão impugnada.
Interessante exemplo foi dado em julgamento do STJ que admitiu a interposição do MS contra a decisão do recurso de embargos infringentes previstos no art. 34 da Lei de Execuções Fiscais.
Por se tratar de decisão de única instância, não pode ser impugnado por recurso especial, não obstante caiba o recurso extraordinário. O cabimento desse recurso não permite a conclusão de a decisão ser irrecorrível, mas se o vício teratológico da decisão afrontar norma federal, será inviável à parte se valer do recurso extraordinário para sua alegação.
Nesse caso, embora exista recurso cabível contra a decisão, a matéria a ser veiculada é incompatível com o recurso disponível, o que habilita o cabimento do mandado de segurança.
Outra hipótese interessante decorrente da excepcional hipótese de o juiz, em sua sentença, apesar de negar provimento ao pedido do autor, expressamente manter a tutela antecipada anteriormente concedida. Havendo uma sentença, o recurso cabível é a apelação contra a sentença de total improcedência do pedido do autor.
Mesmo que se considere a existência de um capítulo da decisão que o faz sucumbir – a manutenção da tutela antecipatória – não há interesse recursal na apelação, porque, se o autor não recorrer da sentença, haverá o trânsito em julgado da sentença integralmente favorável ao réu.
Poderia se imaginar que o interesse surgirá com a interposição da apelação pelo autor, considerando que nesse caso a tutela antecipatória será mantida até o julgamento do recurso. A saída, portanto, seria um recurso adesivo de apelação por parte do réu.
Ocorre, entretanto, que o recurso principal e o recurso adesivo são julgados ao mesmo tempo, e, quando isso ocorrer, o recurso será julgado prejudicado, considerando que após o julgamento da apelação principal a questão a respeito da manutenção da apelação terá pedido seu objeto.
Note-se que nem mesmo uma tutela de urgência no recurso adesivo poderia ser concedida, considerando que não é viável se antecipar os efeitos de um resultado que já se sabe de antemão não será obtido. Como não se pode notar, não há alternativa para o réu que pretende a revogação imediata da tutela antecipada que não o mandado de segurança.
Por tudo já exposto, entendo o cabimento de mandado de segurança contra decisão judicial depende de sua irrecorribilidade e de que a decisão não tenha transitado em julgado, sendo esse segundo aspecto analisado com maior profundidade no item seguinte.
Deve-se reconhecer, entretanto, que a interpretação literal do dispositivo legal ora comentado trará profundas e indesejáveis alterações no tocante ao cabimento do mandado de segurança, contrariando entendimento pacificado dos tribunais superiores. Caberá ao intérprete evitar que isso ocorra.
Aparentemente, a doutrina parece tranquila na admissão do mandado de segurança em situações de irrecorribilidade, mas nem mesmo esse tema é tranquilo nos tribunais, inclusive nos superiores.
São ao menos duas situações polêmicas: decisões interlocutórias proferidas nos Juizados Especiais e a decisão monocrática do relator do agravo de instrumento que o converte em agravo retido ou decido pedido de tutela de urgência.
O STJ tem entendimento consolidado pelo cabimento do mandado de segurança contra decisões interlocutórias proferidas nos Juizados Especiais, considerando-se que o procedimento sumariíssimo adota a irrecorribilidade imediata de tais decisões.
Consolidou também o entendimento de que cabe o Colégio Recursal julgar os mandados de segurança contra decisão de juiz monocrático ou do próprio Colégio Recursal, salvo quando a impugnação tiver como objeto decisão que determina a competência dos Juizados Especiais em detrimento da Justiça Comum, quando a competência para o mandado de segurança será do Tribunal de Justiça.
Contrária a esse entendimento, existe decisão recente do STF no sentido de não ser recorrível por agravo de instrumento nem impugnáveis por mandado de segurança a decisão interlocutória proferida nos Juizados Especiais.
Sinceramente espero que a decisão do STF, apesar de ter sido proferida pelo Plenário, não represente o posicionamento definitivo a respeito do tema, porque a negativa pura e simples de cabimento de qualquer meio de impugnação a ser imediatamente oferecido contra decisão interlocutória em sede de Juizados Especiais pode significar a perpetuação definitiva e irreversível de grave injustiça.
A alegação de que os prazos do mandado de segurança não se coadunam com os fins pretendidos pela Lei 9.099/95 não é suficiente para embasar a vedação, até porque a utilização desse meio de impugnação tem demonstrado ser compatível com os princípios dos Juizados Especiais.
Por outro lado, a afirmação de que não há ofensa ao princípio da ampla defesa porque sempre haverá a possibilidade de impugnação de decisões interlocutórias quando da interposição de recurso inominado se mostra falsa, porque, em situações de perigo de perecimento do direito, um recurso tardio é sinônimo de ausência de recurso. Ademais, o entendimento passa a contrariar manifestamente texto expresso de leis, art. II, da Lei 12.016/2009.
A exceção ficaria por conta do art. 5º da Lei 10.270/2001, que, ao prever o cabimento de recurso contra decisão de tutela de urgência no âmbito dos Juizados Especiais Federais, afasta o cabimento do mandado de segurança até porque o melhor entendimento é que essa decisão interlocutória seja recorrível por agravo de instrumento.
Para parte da doutrina, que defende que as Leis 9.099/95 e 10.259/2001 forma o microssistema dos Juizados Especiais, mesmo no âmbito estadual seria admissível o agravo de instrumento por aplicação da norma mencionada, mas, nesse caso, o Colégio Recursal deverá aplicar o princípio da fungibilidade caso a parte ingresse com o mandado de segurança.
Na realidade, embora não seja esse o momento mais adequado ao desenvolvimento do tema, em qualquer hipótese de impugnação de decisão dos Juizados Especiais por agravo de instrumento ou mandado de segurança, o princípio da fungibilidade deve ser aplicado.
Segundo o art. 527parágrafo único do CPC/73 (vide art. 1.018 do CPC/2015), a decisão monocrática do relator que converte o agravo de instrumento em agravo retido é irrecorrível, o que abre margem para a interposição de mandado de segurança, que vem sendo admitido pelo STJ.
Paradoxalmente, entretanto, o dispositivo em comento parecia ser ignorado no tocante a outra decisão nele prevista, qual seja, a que tem como objeto o pedido de tutela de urgência.
Em decisões manifestamente incorretas, o STJ vinha decidindo pelo não cabimento de mandado de segurança contra a decisão monocrática do relator que concede ou não efeito suspensivo ou tutela antecipatória em sede de agravo de instrumento, com o argumento de que tal decisão é impugnável por agravo regimental.
A incongruência lógica dos julgados é evidente e manifesta, porque o art. 527,parágrafo único do CPC/73, ao menos tocante à forma de impugnação das decisões nele previstas, é aplicado parcialmente.
Para a decisão que converte o agravo de instrumento em agravo retido, leva-se a sério o texto legal, e ao reconhecer ser tal decisão irrecorrível, admite-se o ingresso de mandado de segurança contra ela.
Já para a decisão que concede ou indefere o pedido de efeito suspensivo ou tutela antecipatória, simplesmente se despreza o texto legal e se entende a decisão recorrível por agravo regimental, ainda que o texto da lei preveja de forma clara e indiscutível sua irrecorribilidade.
E o que é ainda mais grave, o próprio STJ entende que o Regimento Interno não pode se sobrepor à lei, de forma que, mesmo havendo previsão regimental, de agravo contra a decisão prevista no art. 527parágrafo único do CPC/73, a decisão é irrecorrível por expressa disposição legal.
Por derradeiro, registre-se que ultimamente o próprio STJ, provavelmente consciente da incongruência de adotar o art. 527 do CPC/73, parágrafo único, pela metade, passou admitir o cabimento de mandado de segurança também contra a decisão monocrática do relator que versa sobre a tutela de urgência – efeito suspensivo e a tutela antecipatória – no agravo de instrumento.
2.4 Decisão transitada em julgado
O art. III da Lei 12.016/2009, apesar de não conter previsão similar no sistema anterior, prevê expressamente entendimento jurisprudencial consagrado de não cabimento do mandado de segurança contra decisão transitada em julgado, o que é interessante, porque evita que esse meio de impugnação seja utilizado com sucedâneo de ação rescisória, o que iria contrariar o funcionamento do binômio “segurança jurídica - justiça das decisões” planejada pelo legislador.
Não parece adequado o entendimento doutrinário defensor de cabimento de mandado de segurança contra a decisão transitada em julgado nos Juizados Especiais, como forma de evitar a perpetuação de graves vícios e injustiças.
A opção legislativa fora clara ao prever no art. 59 da Lei 9.099/95 o não cabimento de ação rescisória no âmbito dos Juizados Especiais, preferindo prestigiar a segurança jurídica advinda da coisa julgada à justiça que poderia ser perseguida por meio de tal espécie de ação.
Simplesmente defender o cabimento do writ como forma de superar tal vedação legal significa contrariar manifestamente a vontade do legislador, que, sendo adequada ou ainda equivocada, deve ser respeitada, já que não caberá ao intérprete mudar a lei, devendo apenas interpretá-la dentro dos limites de razoabilidade. A proposta, quando muito deve ser feita de lege ferenda, e atualmente ainda teria que superar o art. IIIda Lei 12.016.
Acende o debate a relativamente recente decisão do STJ que suscitou incidentalmente a possibilidade de mandado de segurança contra decisão transitada em julgado proferido em sede Juizados Especial.··.
Nesse julgamento se entendeu pela possibilidade, ainda que em tese, do cabimento do writ contra decisão transitada em julgado na hipótese de incompetência absoluta dos Juizados Especiais, o que viabilizaria um controle da competência pelo Tribunal de Justiça. Posteriormente, o entendimento fora consagrado como decisão por diversos julgados da mesma Terceira Turma. (Vide RMS 32.850/BA, RMS 32.632/ES).
Não considero correto o entendimento porque o controle pode ser exercido a qualquer momento do procedimento, não sendo crível que somente após o trânsito em julgado a parte se motive a fazê-lo e encontre guarida no Judiciário, ainda mais com a expressa vedação legal (art. III, da Lei 12.016/2009).
No próprio julgado, há confissão do desconforto que seria reconhecer o mandado de segurança como sucedâneo de ação rescisória ao se afirmar que, na hipótese de ausência de pressuposto processual de existência, não existe qualquer vedação da Lei 9.099/95 quanto à ação de querella nullitatis, podendo o mandado de segurança ser equiparado a essa ação, e não à ação rescisória.
A premissa está parcialmente correta, mas não é aplicável para o caso analisado pelo julgado, considerando-se que a incompetência, ainda quando absoluta, acarreta ausência de pressuposto de validade, nunca de existência.
De qualquer forma, as premissas de que a querella nullitatis ainda que discutível se em tal ação se declara a inexistência ou nulidade – é cabível em sede de Juizados Especiais e que o mandado de segurança pode fazer suas vezes contêm interessante entendimento: sendo a decisão juridicamente inexistente, existe tão somente uma aparência de trânsito em julgado, de forma que a aceitação do mandado de segurança na realidade não confronta a vedação contida no art. III da Lei 12.016.
Há de se lembrar da estreita ligação do direito líquido e certo com a situação fática e como é a prova o instrumento responsável por não deixar dúvida de que os fatos narrados pelo impetrante realmente existem ou existiriam, exige-se sua comprovação por meio de documental já com ingresso da petição inicial, único momento em que haverá produção probatória pelo impetrante.
É evidente que a prova juntada à petição inicial não tratará ao órgão judicial a certeza absoluta da existência do direito, porque, com as informações prestadas pela autoridade coatora, será possível concluir que os fatos não ocorreram exatamente da forma narrada pelo impetrante e supostamente demonstrada pela prova produzida já na prova exordial.
Entendimento contrário criaria uma estranha e inadmissível procedência prima facie, na qual ou seria concedida a liminar que, ao final, seria obrigatoriamente confirmada, ou se extinguiria liminarmente o mandado de segurança.
Essa observação é corretamente feita pela doutrina, para a qual o direito líquido e certo aparece em dois momentos diferentes do procedimento. Inicialmente, aparece no primeiro contato do órgão judicial com a petição inicial, mesmo porque sua ausência nesse momento já será causa da extinção do processo por carência de ação.
Ocorre, entretanto, que por tratar-se de momento liminar do procedimento, a cognição sumária, única possível nesse momento processual, levará o órgão judicial a fazer um juízo de aparência; nesse estágio é suficiente que exista uma plausabilidade da existência de direito líquido e certo.
O segundo momento, em que se analisará a efetiva existência de direito líquido e certo, é o da decisão final, quando, de posse das informações prestadas pela autoridade coatora e da manifestação do Ministério Público, o juiz, em cognição exauriente decidirá baseado em um juízo de certeza, por poder confirmar ou não a plausabilidade de existência do direito líquido e certo.
Ao determinar-se a razão pela qual se exige do impetrante a produção da prova já com a petição inicial, de modo a não se admitir qualquer dilação probatória na tentativa de comprovação de seu direito líquido e certo, é absolutamente natural imaginar que a prova a ser produzida no processo do mandado de segurança tenha natureza documental.
O próprio art. caput, da Lei 12.016/2009 corrobora tal entendimento ao exigir do impetrante a instrução da peça exordial com documentos. Não parece correto, entretanto, o entendimento literal ao disposto na norma legal mencionada, tampouco que entenda ser somente a prova documental admitida no processo de mandado de segurança.
A impossibilidade de dilação probatória durante o procedimento do MS, circunstância absolutamente pacificada tanto na doutrina quanto na jurisprudência, não passa, automaticamente, a exigir do impetrante a produção de uma prova documental, mas sim de uma prova pré-constituída, ou seja, de uma prova já formada fora e anteriormente ao processo.
Prova pré-constituída é o gênero e não significa prova documental, apesar de ser essa a forma mais tradicional da espécie. A disposição legal do procedimento do mandado de segurança tão somente exige que o impetrante convença o juiz dos fatos que embasam suas alegações com uma prova pronta, a qual não demanda qualquer atividade provatória durante o processo.
Essa função não é exclusiva da prova documental, mas aplica-se a qualquer prova pré-constituída robusta o suficiente para convencer o órgão judicial dos fatos alegados.
Torna-se imperiosa a diferenciação existente entre prova documental e prova documentada. Por prova documental, se entende a prova que tenha o conteúdo e forma de documento conforme as exigências legais, enquanto por prova documentada[14] se entende qualquer prova, de qualquer natureza, que seja materializada em laudo pericial, que, certamente, é um documento, se não em conteúdo, inegavelmente em sua forma.
Com o CPC/2015 (art. 216-A do CPC/2015) com a previsão da Ata notarial será mais comum haver maior número de prova documentada.
O mesmo ocorre com a colheita de prova oral, materializada na ata de audiência, que também será um documento, não em seu conteúdo, mas em sua forma.
O que se quer demonstrar é que, apesar de tradicionalmente se cogitar em prova documental quando se fala em prova pré-constituída, esta não passa de sua principal espécie. Qualquer prova que tenha sido produzida judicialmente e materializada em um documento, embora seja entendida como prova causal no processo onde fora produzida, será documental, pelo menos em sua forma, no processo que a receber como prova emprestada, tema também tratado com melhor admissão pelo CPC/2015.
No mandado de segurança, a exigência de produção de prova já na exordial, tem como causa a necessidade de comprovação prima facie de, ao menos, da plausibilidade do direito líquido e certo e, em nenhum momento, é possível concluir que esse convencimento no espírito do juiz a respeito dos fatos só possa ser obtido por meio da prova documental.
Qualquer meio de prova está apto a convencer o juiz da ocorrência da veracidade dos fatos; somente não se admite, no mandado de segurança a dilação probatória.
Em doutrina que já tratou do tema não entende que qualquer prova documentada está apta a instruir o mandado de segurança, e variam as razões para haver a recusa de uma prova não documental.
Para boa parcela da doutrina, a prova documental é a única aceitável seja pela maior facilidade de produção e seja também pela maior clareza desta decorrente. O que não pode ser aceito, ao menos que se esteja disposto a abandonar o vigente sistema de valoração de prova adotado no direito pátrio. Pois há o livre convencimento motivado do juiz, no qual as provas não possuem valor prefixado ou tabelado, dependendo sempre da análise do conjunto probatório e do caso concreto.
Ao admitir-se a prova documental como única apta a configurar o direito líquido e certo, retornar-se ao sistema da prova tarifada, onde a força probante dos meios de prova já vem definida a priori, independente de análise do caso concreto.
Outra crítica quanto à admissão de prova documentada no mandado de segurança é fundada no contraditório, admitindo-se a prova de outra natureza que não a documental, o réu não terá oportunidade de apresentar prova de mesma natureza, o que viola a isonomia e sacrifica o contraditório.
Essa crítica, embora seja mais sustentável que a primeira, também não merece ser acolhida como fator impeditivo da utilização de prova documentada no mandado de segurança.
O entendimento é insustentável, porque, se ao impetrante for admitido apresentação de prova documentada, naturalmente também ao réu será facultada a mesma possibilidade.
A atividade probatória prévia desenvolvida por cada um dos sujeitos processuais que participa do mandado de segurança determinará suas possibilidades probatórias; assim não é possível retirar-se um direito de impetrante tão somente porque o réu não se preparou tão adequadamente.
Afora isso, poderá o réu sempre apresentar prova documental, que, inclusive, poderá desbancar a prova documentada de natureza testemunhal ou pericial apresentada pelo impetrante, como também poderá, o que já foi afirmado, valer-se de ação provatória autônoma a fim e preparar-se para o eventual mandado de segurança, hipótese em que poderá apresentar a prova documentada, da mesma forma que foi possível ao impetrante. Dessa forma, não parece correto o entendimento de que seja impossível ao réu fazer contraprova a essa espécie de prova, porquanto poderá fazê-lo por meio tanto de prova documental, como prova documental obtida em processo autônomo probatório prévio ao mandado de segurança.
O operador de direito deverá seguir os passos para a determinação de competência no caso concreto, conforme:
1ª etapa – verificação da competência da justiça brasileira. Os arts. 88 e 89 doCPC/73 (art. 21 e 23 do CPC/2015) tratam da competência internacional, disciplinando as hipóteses de competência internacional, disciplinando as hipóteses de competência exclusiva do juiz brasileiro e as hipóteses de competência concorrente deste com o juiz estrangeiro. Sendo exclusiva ou concorrente, será competente a justiça brasileira para julgar o processo.
2ª etapa – analisar se a competência para julgamento é dos Tribunais de Superposição (a competência originária do STF vem disciplinada pelo art. 102I daCF/1988 e a competência originária do STJ no art. 105I da CF/1988) ou de órgão jurisdicional atípica (por exemplo, o Senado Federal – art. 52I e II da CF/88 e a Câmara dos Deputados, art. 51I da CF/88).
3ª etapa – verificar se o processo será da competência da justiça especial (Justiça do Trabalho, Militar ou Eleitoral) ou da justiça comum (Justiça Estadual ou Justiça Federal)
4ª etapa – Sendo de competência da justiça comum, definir entre a Justiça Estadual e a Federal. A Federal tem sua competência absoluta prevista pelos arts. 108 (TRF) e109(primeiro grau) da CF/1988.
A competência da Justiça Estadual é residual, ou seja, sendo de competência da justiça comum e não sendo de competência da Justiça Federal, será de competência da Justiça Estadual.
5ª etapa – Descoberta a Justiça competente, verificar se o processo é de competência originária do Tribunal respectivo (TRF ou TJ) ou do primeiro grau de jurisdição.
6ª etapa – Sendo de competência de primeiro grau de jurisdição determinar a competência do foro. Por foro, deve-se entender uma unidade territorial de exercício da jurisdição. Na Justiça Estadual, cada comarca representa um foro, enquanto na Justiça Federal cada seção judiciária representa um foro.
7ª etapa – Determinado o foro competente, a tarefa do operador poderá ter chegado ao final. Haverá hipóteses, entretanto, nas quais ainda deverá ser definida a competência de juízo, o que será feito no mais das vezes por meio das leis de organização judiciária (responsáveis pela criação de varas especializadas em razão da matéria e da pessoa) ou ainda pelo CPC (definição de qual juízo é competente) quando duas ações são conexas e tramitam no mesmo foro – art. 106 do CPC/73 (art. 57 do CPC/2015).
A figura da autoridade coatora é de extrema importância para a fixação da competência para o mandado de segurança. Já há entendimento consolidado do STJ, a competência será estabelecida em razão da função ou da categoria funcional da autoridade apontada como coatora na petição inicial.
Em face desse entendimento jurisprudencial, o STJ considera que a competência para o mandado de segurança é absoluta. Naturalmente, quando for competência originária do Tribunal, esta será absoluta, de natureza funcional, mas o interessante é notar que, também nos mandados de segurança em primeiro grau, a competência territorial é absoluta, porque na realidade, não decorrem simplesmente do local competente, mas do local em que a autoridade coatora exerce suas funções institucionais.
Em razão de inovação trazida pela Lei 12.016/2009 passa a expressamente prever como legitimados ativos as pessoas físicas e jurídicas, consolidando o entendimento doutrinário que, mesmo à luz do art.  da Lei 1.533/1951, interpretava o termo “alguém” como inclusivo de pessoas jurídicas e físicas. E, podem ser brasileiras ou estrangeiras, de direito privado ou público, consagrando-se legislativamente a amplitude do mandado de segurança, que mesmo tendo surgido para tutelar o indivíduo em face do Estado, passou a servir como forma de tutela inclusive do Estado perante ele mesmo.
Ainda que não haja previsão expressa nesse sentido, pessoas formais são igualmente legitimadas ativas, tais como o espólio e o condomínio, a massa falida bem como ainda os entes despersonalizados, que apesar de não tenham personalidade jurídica, tem personalidade judiciária, tais como os corpos legislativos.··.
A legitimação ativa prevista pelo dispositivo da lei é limitada ao mandado de segurança individual, considerando-se que somente a partido político e as associações, sindicatos e entidades de classe, além do MP que têm legitimidade para impetrar o writ.
O art.  da Lei de Mandado de Segurança trata da hipótese de substituição processual, admitindo que o titular de direito correlato a um direito que pode ser protegido por meio do mandado de segurança ingresse em nome próprio na defesa de interesse de outrem.
Diante da inércia do primeiro colocado em concurso público, o segundo ingressa com mandado de segurança em favor deste diante da convocação do terceiro colocado no certame.
No mandado de segurança se buscará a anulação da convocação do terceiro colocado, o que tutelará o direito do primeiro colocado em ser convocado. No mandado de segurança se buscará a anulação da convocação do terceiro colocado, o que tutelará o direito do primeiro colocado em ser convocado e, também, do segundo colocado a ser o próximo na ordem de chamada.
Outro exemplo muito citado é do locatário que, por disposição contratual, se obriga ao pagamento de IPTU. E, havendo lançamento indevido, poderá o locatário, em MS, litigar em nome próprio pelo direito do locador, porque teria nesse caso uma obrigação decorrente daquele que será discutida em juízo.
Registre-se, porém, que o STJ vem entendendo em sentido contrário, afastando o locatário a qualidade de possuidor indireta e, por consequência, entendo-o como parte ilegítima para o writ.
A omissão da lei não é suficiente para impedir que o titular de direito ingresse como assistente litisconsorcial de impetrante no mandado de segurança. Apesar do busilis a respeito da natureza jurídica da assistência litisconsorcial, para alguns doutrinadores apenas uma espécie qualificada de assistência, enquanto que para outros, um litisconsórcio superveniente (o que pode favorecer a aplicação na hipótese do art. 10§ 2º da Lei 12.016/2009).
Desta forma, a intervenção do titular do direito será admitida a qualquer momento do processo, recebendo o processo no estado em que se encontra. O que não se pode admitir é a simples vedação de participação do titular do direito em demanda na qual o seu direito material está sendo discutido.
Regra inovadora prevê o prazo de trinta dias para que o titular ingresse com o mandado de segurança após sua notificação, sendo que o art. , caput da Lei 1.533previa tão somente prazo razoável.
O vencimento do prazo de trinta dias após a notificação sem a propositura da ação pelo titular do direito não retira dele o direito de ação, de forma que, mesmo após o transcurso do prazo, continuará a ser parte legítima para o ingresso do mandado de segurança.
A partir desse momento, também o terceiro titular de direito correlato passa a ter legitimidade ativa, é possível que exista litispendência entre dois mandados de segurança: aquele proposto pelo titular e o proposto por terceiro.
E não se cogita em litispendência, deve-se aplicar a regra consagrada pelo art. 219,caput do CPC/73 (ou art. 240 do CPC/2015), que, ao prever como um dos efeitos da citação a indução à litispendência, vem fazendo com que o STJ decida pela manutenção do processo em que tenha se realizado a primeira citação.
Não há propriamente uma citação no writ, o ato de comunicação a ser considerado é a notificação da autoridade coatora. Sendo extinto o mandado de segurança do terceiro, ele poderá ingressar na ação do titular do direito como assistente simples, sendo extinto o mandado de segurança do titular do direito, ele poderá ingressar como assistente litisconsorcial de terceiro.
A substituição só é admitida após transcurso do prazo de trinta dias de inércia do titular do direito, e, apesar o novo dispositivo legal ter mantido a exigência de notificação judicial, é preferível, a doutrina que admite ser a notificação realizada de forma extrajudicial. A segurança jurídica é praticamente a mesma, nada havendo a justificar a exigência pela forma judicial de notificação.
Há o debate a respeito da previsão sobre prazo de cento e vinte dias. Seria possível entender que se trata de prazos sucessivos, de forma que, dentro do prazo de cento e vinte dias, caberá ao terceiro titular de direito decorrente notificar o titular do direito e, somente depois de verificada a inércia deste em ingressar com o writ terá início a contagem de prazo de cento e vinte dias para aquele?
Não parece ser possível prazo sucessivo, pois se trata de prazo decadencial único com o termo inicial pautado na ciência do ato atacado pelo mandamus.
Não se deve admitir entendimento doutrinário que defende a suspensão do prazo para impetração do mandado de segurança durante trinta dias concedidos ao titular para o exercício do direito de ação. Ainda que a ausência dessa suspensão possa impedir o exercício de direito de ação pelo terceiro – para isso basta que a notificação se dê a menos de trinta dias do vencimento do prazo de cento e vinte dias previsto no art. 23da Lei de Mandado de Segurança.
A respeitável doutrina entende que o prazo decadencial de cento e vinte dias para a propositura do mandado de segurança é inconstitucional, considerando que enquanto houver necessidade de tutela de direito líquido e certo, deveria ser possível ao interessado ingressar com o writ. Existe até uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 4.296 nesse sentido.
Porém, não é esse o entendimento sumulado pelo STF sobre a constitucionalidade desse prazo e que fora confirmado no art. 23 da Lei 12.016/2009.
Convém mencionar que o dispositivo legal não aponta expressamente o caso de omissão continuativa, induzindo a acreditar que continuará a imperar o entendimento jurisprudencialmente aceito pela não aplicação dos cento e vinte dias, quando tiver como alvo o ato omissivo continuado, considerando-se, que o prazo se renova mês a mês.
Há também entendimento do STJ no sentido de que não opera a decadência em mandado de segurança preventivo, como ocorre no pedido de obtenção de declaração de direito à compensação tributária.
Quanto à natureza do prazo é decadencial, não se suspendendo e nem se interrompendo após seu início, é o que entende a doutrina majoritária.

Referências

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Ações Constitucionais. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2013.
BARBI, Celso Agrícola. Do Mandado de Segurança. Rio de Janeiro: Forense, 1987.
ASSIS, José de. Do Mandado De Segurança contra Ato Judicial. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1987.
LUIZ FUX (coordenador). Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Processo Constitucional (Nova Concepção de Jurisdição). Prefácio de Luiz Guilherme Marinoni. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2008.

[1] O objeto do mandado de segurança será sempre a correção de um ato administrativo ou judicial, desde que ilegal e lesivo do direito do impetrante. Ato ilegal é todo aquele que contraria o direito, por afronta direta à Constituição ou às leis.
[2] A divergência doutrinária e jurisprudencial não prejudica a certeza e a liquidez do direito, eis que a diversidade de opiniões não pode tornar incerta a lei, que há de ter uma inteligência verdadeira.
[3] A viabilidade do writ of mandamus é um dos requisitos exigidos que exista a titularidade por parte do impetrante, de direito líquido e certo, nas condições legais, doutrinárias e jurisprudenciais. A autoridade coatora é ouvida quando sofre a impetração ao ser notificada a prestar informações que tiver à Justiça sobre o seu ato impugnado via mandado de segurança. Ao prestar informações, não pode olvidar de fazer prova, desde logo, com as suas informações dos fatos informados. Trata-se de inversão do ônus probatório, uma vez que somente as alegações não convencem notadamente as sem suporte de prova cabal e idônea, o que pode levar ao reconhecimento da improcedência.
[4] O habeas corpus tem sua origem etimológica na expressão “habeas corpus ad subjicendum” que significa literalmente que tenhas o teu corpo. Trata-se de garantia constitucional em favor de quem sofre violência ou ameaça de constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção, por parte de autoridade legítima.
[5] O habeas data representa remédio jurídico facultativo que está disponível em alguns sistemas jurídicos na formação de uma ação constitucional que pode, ou não ser impetrada por pessoa física ou jurídica para tomar conhecimento ou retificar informações a seu respeito, constante nos registros e bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público, bem como o direito à retificação de tais dados quando forem inexatos. Segundo a ementa de acórdão do Tribunal Pleno do STF, relatado pelo Ministro Celso de Mello, o Habeas data é um importante instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, a qual representa, no plano institucional, a mais expressiva reação jurídica do Estado às situações que lesem, efetiva ou potencialmente, os direitos fundamentais da pessoa, quaisquer que sejam as dimensões em que estes se projetem. - O acesso ao Habeas data pressupõe, dentre outras condições de admissibilidade, a existência do interesse de agir.
Ausente o interesse legitimador da ação, torna-se inviável o exercício desse remédio constitucional
[6] A natureza do mandado de segurança é a que indaga dos efeitos da sentença, isto é, se a sentença faz coisa julgada ou não. Em regra, todas as sentenças proferidas no juízo sumário não fazem coisa julgada, para o ordinário subsequente.
Entretanto, a sentença concessiva do mandado de segurança produz res judicata, pois a pessoa do direito público vencida terá trancadas as vias ordinárias para demandar contra o impetrante o restabelecimento ou os efeitos do ato que a sentença anulou.
O mesmo não se pode dizer quanto à sentença denegatória da segurança. Pois o mandado não prejudica as ações petitórias competentes. A decisão do mandado de segurança não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais. Ainda que concessiva de MS não seja simplesmente declaratória, mas necessariamente executória. De outro modo, a defesa do direito não restaria assegurada.
[7] Não se pode confundir interesse público com direito e garantia individual assegurada pela Constituição e que constituem o fundamento do remédio heroico impetrado. O interesse da coletividade e interesse social se sobrepõe e tem prevalência, é certo, sobre o interesse individual ou particular, mas nunca sobre o direito individual, que é garantido pela Constituição Federal. Frise-se que interesse é muito diferente de direito, pelo que quem tem direito tem interesse e nem sempre quem tem interesse tem o direito. A recíproca, in casu, não é verdadeira.
[8] O texto de 1934 cogitava em ameaça ou violência, e assim, admitia expressamente a medida preventiva. O de 1967 não cogitava em ameaça por desnecessário, pois se reporta ao parágrafo anterior para enunciar a proteção dos direitos não amparados por habeas corpus, inclusive o de não sofrer ameaça ou suportar perigo de violação. É possível o mandado de segurança preventivo até quando houver justo receio de sofrer a violência, tal como o habeas corpus poderá tanto remediativo como preventivo.
[9] Celso Agrícola Barbi sobre o mandado de segurança preventivo lecionou: “Assunto de grande importância, e cujo exame tem lugar adequado na parte relativa ao interesse de agir, é o mandado de segurança contra a ameaça ao direito. Apesar de aConstituição de 1946 não haver incluído expressamente a utilização da medida nesses casos, a Lei 1.533 ampliou o conceito constitucional, de forma a abranger aquela hipótese. E, como critério orientador, há o teor do art. 1º da referida lei a expressão” justo receio” de sofrer violação do direito”.
[10] Não se dará mandado de segurança quando se tratar de despacho ou decisão judicial quando haja recurso previsto nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correição.
[11] Nem se poderia permitir, também que, enfrentando texto legal expresso, o mandado de segurança fosse burlar a vedação do efeito suspensivo ao recurso que fosse cabível e interposto.
[12] O papel do Judiciário aumentou nas últimas décadas, pois o que antes se restringia aos litígios privados e à jurisdição penal após a CF/1988 foi cobrado dos juízes a efetivação de direitos, vindo além de substituir o legislador naquilo que fora omisso, o que a doutrina vem chamando de ativismo judicial.
[13] Os pressupostos de sua admissibilidade são: a) decisão impugnada pelo recurso adequado; b) ausência de efeito suspensivo quanto a esse recurso; c) decisão absurda ou com evidente abuso de poder. Exige-se o concurso de todos esses requisitos e ainda mais o de dano irreparável ou de difícil e incerta reparação que é consequência emergente desses requisitos ou pressupostos de cabimento e admissibilidade do remédio heroico.
[14] Há de se lembrar da proibição da prova ilícita e proporcionalidade que são princípios tratados por alguns doutrinadores de modo isolado, mas que estão imbricados para se definir o processo pelos valores constitucionais vigentes. Mas, se percebe que a proibição não deve prevalecer em todos os casos, pois existem situações onde é possível se aceitar o uso de provas obtidas ilicitamente, desde que o escopo seja razoável e se procure também defender os direitos fundamentais.

Luiz Joaquim há 16 horas DECISÃO: Responsabilidade solidária de cooperativa central não é presumida mesmo em dano sofrido por clien...