Responsabilidade Civil do Estado por Atos Jurisdicionais
Publicado por Stephanie Alves Reis - 11 horas atrás
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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Diante do tema relacionado à Responsabilidade Civil, nota-se que estamos diante de um modelo binário de responsabilidade. Ela surge em face ao descumprimento de uma regra obrigacional ou da inobservância de um preceito normativo que regula a vida. Nesse sentido, podemos dividi-la em responsabilidade contratual eresponsabilidade extracontratual.
A Responsabilidade Civil consiste em reparar economicamente os danos causados a terceiros, tanto no âmbito patrimonial ou moral, devendo ser pago na forma de indenização para compensar os prejuízos causados.
No Brasil, é adotada a teoria do risco administrativo quando se trata de Responsabilidade Civil do Estado, portanto, este deve responder pelos prejuízos causados a terceiros, salvo presente as excludentes de responsabilidade.
No âmbito da responsabilidade extracontratual, o Estado se responsabilizará pela prática de atos ilícitos que causem danos a terceiros, conforme prevê os artigos 186e 187 do Código Civil.
O ato ilícito é praticado em desacordo com a ordem jurídica, o qual, ao violar direito e causar prejuízos a terceiros, deverá o Estado reparar o dano. O ato ilícito pode ser civil, penal ou administrativo.
Os elementos de responsabilidade civil, conforme leciona Maria Helena Diniz, são três: (i) existência de uma ação, comissiva ou omissiva, que se apresenta como ato lícito ou ilícito, pois ao lado da culpa como fundamento da responsabilidade civil há o risco; (ii) ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado a vítima e (iii) Nexo causal entre o dano e a ação, constituindo-se o fato gerador da responsabilidade civil.
Nesse sentido, nota-se que a culpa é genérica, sendo esta um pressuposto do dever de indenizar, elemento essencial para a maioria da responsabilidade.
A culpa genérica, em sentido amplo, engloba o dolo e a culpa estrita. O dolo constitui uma violação intencional do dever jurídico com o fim de prejudicar outrem, nesse caso, o agente deverá arcar com todos os prejuízos causados ao ofendido.
Para o Direito Civil não importa se o agente agiu com dolo ou culpa, sendo a consequência inicial a mesma (a imputação do dever de reparação do dano ou indenização dos prejuízos), mas os critérios para fixação da indenização são diferentes.
Dessa forma, a culpa em stricto sensu se classifica:
1. Quanto a origem: Culpa contratual e culpa extracontratual.
2. Quanto à atuação de agente: Culpa in comittendo e culpa in omittendo.
3. Quanto ao critério da análise pelo aplicador do direito: Culpa in concreto e culpa in abstrato.
4. Quanto o grau de culpa: Culpa grave, culpa leve e culpa levíssima.
Nesse aspecto, verifica-se que o Estado deverá indenizar os terceiros prejudicados independentemente da comprovação de dolo ou de culpa, podendo propor ação de regresso contra o responsável do dano nos casos de dolo ou culpa.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS
Os atos jurisdicionais, são típicos e específicos da função do Juiz, externados por decisões interlocutórias, sentenças e acórdãos.
Em regra, o ato jurisdicional não gera a responsabilidade civil do Estado, apenas haverá a responsabilização quando houver a previsão expressa em lei. Parte da doutrina distingue a conduta jurisdicional que gera o dano entre dolosa e culposa.
Assim, quando se tratar de conduta dolosa, a responsabilidade do Estado será objetiva, com aplicação do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, restando assegurado o direito de regresso contra o Juiz causador do dano.
Ainda, o lesado poderá optar por ajuizar ação indenizatória em face do próprio Juiz, conforme autoriza o artigo 133, do Código de Processo Civil e a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, em seu artigo 49.
Os dispositivos discorrem sobre a responsabilidade do Juiz por danos causados, advindos das suas atividades jurisdicionais, quando houver a configuração de dolo ou fraude e nos casos em que omitir, retardar ou recusar providência sem justificativa plausível.
Contudo, a responsabilidade do Juiz por perdas e danos não exclui a corresponsabilidade objetiva do Estado, que nesse caso possui legitimado o direito de regresso contra o magistrado.
A corrente aduz que na hipótese de conduta culposa caberá indenização apenas na esfera penal, com fundamento no artigo 5º, inciso LXXV, da Constituição Federal, in verbis:
“Art. 5ºLXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença;”
Outra hipótese de aplicação da responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais se refere à disposição do artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal:
“Art. 5ºLXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
Assim, a demora excessiva na prestação jurisdicional é passível de responsabilidade do Estado, no entanto, devem ser observadas as condições do caso concreto, destacando-se a demora desnecessária, falhas estruturais, desídia e outras circunstâncias não razoáveis, às quais o jurisdicionado não é obrigado a suportar.
Por fim, conclui-se que, a responsabilidade civil do Estado por atos decorrentes de atividades jurisdicionais será considerada subjetiva quando o dano causado pelo magistrado no exercício de sua função jurisdicional por meio de fraude, dolo a fim de retardar o andamento do processo e etc.
IRRESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Atualmente, a questão relativa irresponsabilidade do Estado por atos jurisdicionais tem criado divergência doutrinária. Isso porque alguns autores têm resistido à ideia da responsabilidade estatal por atos jurisdicionais, defendendo a irresponsabilidade civil do Estado.
Em relação aos atos jurisdicionais, historicamente, entendia-se que o ato do Juiz era uma manifestação da soberania nacional e que o exercício de sua função se encontrava acima da lei e seus erros não poderiam acarretar a responsabilidade civil do Estado.
Alegavam que o Poder Judiciário é soberano, que os juízes agem com absoluta independência, que o magistrado não é funcionário público e que a coisa julgada é imutável.
No entanto, a tese da irresponsabilidade estatal está perdendo terreno gradativamente, não só em razão do princípio da igualdade dos encargos sociais, mas também porque os argumentos em que se baseia não são convincentes.
Para os que contrariam as teses de irresponsabilidade, a questão da soberania, no Estado de Direito, é reconhecida à nação e não a qualquer de seus poderes. Mesmo que se admitisse a soberania do judiciário, este fato não exoneraria o Estado do dever de ressarcir danos causados por ato jurisdicional, por não haver autonomia entre soberania e responsabilidade.
A tese da independência da magistratura não seria um argumento viável para afirmar a irresponsabilidade do Estado, porque a responsabilidade seria do Estado e não do juiz. Não há oposição entre a independência do juiz e a responsabilidade estatal, uma vez que esta não atinge, de modo algum, a independência funcional do magistrado.
Em relação ao juiz não ser considerado funcionário, acreditam que o termo “agente”, empregado no artigo 37, § 6º da nova Constituição, abrange todos os que agem em nome do Estado. Se assim não fosse, teriam que excluir a responsabilidade do Estado quando o dano tivesse sido causado por atos de contratados pela legislação trabalhista, já que em sentido específico essas pessoas não são tidas como funcionários, apesar de serem agentes públicos.
Bem como a irretratabilidade da coisa julgada é insuficiente para justificar a irresponsabilidade estatal por atos judiciais. A autoridade da coisa julgada não constitui valor absoluto, pois, entre ela e a ideia de justiça, a ultima prevalecerá, porque, se a res judicata tem por escopo a segurança jurídica e a paz jurídica.
Por todo exposto podemos afirmar que existe responsabilidade do estado por atos jurisdicionais que tenham causado lesão material ou moral a outrem, que terá, por isso, direito a uma reparação pecuniária.
Passando por esse ponto, atualmente a responsabilidade civil do Estado é sempre objetiva, pois se funda no risco das atividades estatais. Porém, em relação aos atos jurisdicionais a jurisprudência brasileira, em regra, não aceita a responsabilidade civil do Estado, portanto, nesse caso a responsabilidade civil do Estado se torna subjetiva, ou seja, a parte lesada deve provar o dano sofrido, pois a responsabilidade do juiz, esta sempre subsidiária e restrita às hipóteses de dolo, fraude, culpa ou omissão.
Cumpre esclarecer, na seguinte Ementa:
APELAÇÃO CÍVEL. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO JUDICIÁRIO. INEXISTÊNCIA DE FRAUDE, DOLO OU CULPA GRAVE NO EXERCICIO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
1. O Estado do Rio Grande do Sul tem responsabilidade de ordem objetiva pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, no termos do § 6o, do art. 37 da CF. 2. Todavia, a disposição constitucional não é aplicável quando se está a tratar de responsabilidade civil do Estado por ato jurisdicional, limitando-se a configuração de tal responsabilidade nos casos de dolo, fraude ou culpa grave. Com efeito, em se tratando de exercício da função jurisdicional, há uma série de prerrogativas a serem consideradas, a fim de não inviabilizar a prestação deste tipo de atividade pelo Estado, dada a existência de conflito de interesses no julgamento de qualquer demanda. 3. A prisão cautelar fundada na conveniência da instrução criminal, como no caso em tela, busca a efetividade da persecução penal; não se trata, portanto, do cumprimento de pena privativa de liberdade, mas de providência cautelar para a proteção do processo penal.
4. Eventual absolvição do postulante em razão da ausência de provas da autoria delitiva não importa no reconhecimento do equívoco jurisdicional no provimento de segregação cautelar anteriormente exarado, o qual foi exaustivamente fundamentado e está de acordo com o regramento legal previsto a espécie.
5. Não comprovada à culpa grave, dolo ou fraude no exercício da função jurisdicional, ônus que cabia ao autor e do qual não se desincumbiu, nos termos do artigo 333, I do Código de Processo Civil, deve ser julgado improcedente o pedido.
Negado provimento ao recurso.
O Apelante, Sr. Milton da Silva de Miranda interpôs apelação em face da decisão de 1ª instância que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação de indenização por danos extrapatrimoniais proposta em face do Estado do Rio Grande do Sul.
De acordo com o alegado pelo autor, a decisão judicial na esfera penal que decretou sua prisão cautelar foi arbitrária e injusta, uma vez que não foram juntadas provas nos autos que comprovassem a necessidade de seu recolhimento ao sistema carcerário, configurando supostamente um erro judiciário.
Tendo em vista que a parte autora não comprovou o fato constitutivo do seu direito, conforme o disposto no artigo 333, inciso I, do CPC, que imputa ao autor demonstrar o ônus da prova, os pedidos foram julgados improcedentes pela Magistrada a quo.
Assim, em regra, a Administração Pública tem responsabilidade objetiva pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, no termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
Dessa forma, a parte prejudicada estaria dispensada de provar a culpa do Poder Público para que ocorra a reparação, bastando a relação de causalidade entre a ação ou omissão administrativa e o dano sofrido.
Entretanto, com relação aos atos praticados pelo Poder Judiciário no exercício da função jurisdicional, a jurisprudência dispõe que o referido artigo não é aplicável, uma vez que nessas hipóteses a responsabilidade civil do Estado se torna subjetiva, devendo a parte que supostamente sofreu o dano, demonstrar o dolo, omissão ou fraude do juiz.
A prestação jurisdicional se baseia na obrigação do Estado em determinar a solução para a situação de fato que lhe é apresentada pelo autor, a fim de garantir segurança jurídica para a sociedade. No entanto, na consecução desse serviço público o Poder Público pode, diretamente ou por intermédio de um magistrado, causar dano a uma ou ambas as partes envolvidas no processo.
Ou seja, nas hipóteses em que o juiz competente para julgar a ação, no exercício de suas funções, atuar com dolo ou fraude, bem como se recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de oficio, ou a requerimento da parte, será necessário que a parte seja indenizada na esfera cível pelo suposto dano.
Assim, no presente caso, ainda que o Apelante tenha tido sua prisão cautelar decretada de modo a viabilizar o andamento do processo criminal e, posteriormente, tenha sido absolvido por ausência de provas de autoria delitiva, não caracteriza um equívoco jurisdicional, uma vez que a decisão que decretou a prisão demonstrou a ocorrência dos requisitos previstos na legislação penal.
Dessa forma, uma vez que não foi demonstrado pelo autor que o Magistrado da esfera penal atuou com dolo ou fraude durante a apuração dos fatos, não há a necessidade do pagamento de indenização pelos danos morais e materiais, pois não foi comprovada a responsabilidade civil subjetiva do Estado.
Dentre as possíveis causas que podem dar origem ao dano sofrido pela parte, existem aquelas que excluem a responsabilidade do Estado, são elas: a) Culpa exclusiva da vítima; b) Possibilidade de larga interpretação da lei: quando o dano decorrer de conceitos indeterminados e cláusulas gerais que deixam ao juiz larga possibilidade cuja opção deve ser admitida enquanto fundamentada dentro do sistema jurídico; c) Dano resultante de força maior e de caso fortuito e d) Dano produzido por terceiro.
A exclusão da responsabilidade se dará porque o fato de terceiro se reveste de características semelhantes às do caso fortuito, sendo imprevisível e inevitável, portanto quando o fato de terceiro se revestir dessas características é que poderá ser excluída a responsabilidade do causador direto do dano.
POSSIBILIDADE DE AÇÃO DE REGRESSO
O art. 37, § 6º, da Constituição da República de 1988 enunciou o princípio da responsabilidade objetiva e direta do Estado por ato dos seus agentes. Exercendo o Poder Judiciário um serviço público, e sendo o Juiz o seu agente, seus atos caem no âmbito dessa regra geral.
O instituto do direito de regresso é uma faculdade do Estado de reaver os valores que teve que indenizar ao terceiro atingido e esta deverá ser exercida em face do funcionário responsável pelo dano, quando comprovada a existência de dolo ou culpa no seu proceder.
O primeiro pressuposto para o ajuizamento da ação regressiva pelo Estado é este já ter sido condenado judicialmente pelos danos que seu agente causou, após ser comprovada a culpa ou o dolo do agente, pois, nesse caso, a responsabilidade civil do agente é tida como subjetiva.
Em relação a propositura da ação, vale consignar o ensinamento de Hely Lopes Meirelles: "A responsabilização civil de servidores por danos causados a terceiros no exercício de suas atividades funcionais depende da comprovação da existência de dolo ou culpa de sua parte, em ação regressiva proposta pela pessoa jurídica de direito público obrigada, objetivamente, à reparação do dano, nos termos do art. 37,parágrafo 6º, da Constituição da República".
Por ser a ação regressiva, uma ação de ressarcimento ao Estado que foi lesado ao ter que indenizar o terceiro atingido, em razão de seu agente, é pacífico na doutrina e jurisprudência que trata-se de uma ação imprescritível.
Portanto, cabe ressaltar que a responsabilidade vítima-Estado é objetiva, enquanto o agente responde perante o ente estatal de forma subjetiva, se provada sua culpa ou dolo.
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