Entrevista, interrogatório e detecção de mentiras
Publicado por Canal Ciências Criminais - 1 dia atrás
Por Thompson Cardoso
Ao iniciar uma entrevista com alguém que previamente nega conhecer um fato do qual você precisa informações, e reluta em ser entrevistado, você lhe faz um questionamento desconfortável. Ao responder, o entrevistado olha para cima e para a esquerda, pressiona os lábios, tensiona as pálpebras e franze as sobrancelhas, passando a movimentar seus olhos em todas as direções, evitando contato visual com você. Exibindo claros sinais de mentira, em comportamento que gera a expectativa de um relato desonesto, você está pronto para desafiá-lo e pressioná-lo a fim de expor suas mentiras.
Provavelmente, no entanto, você estará completamente equivocado. Pesquisas científicas apontam para 96% de erro nas tentativas de correlacionar comportamento visual com indicativos de mentira. Inexistem evidências científicas que indiquem a mínima confiabilidade na aferição de veracidade baseada no comportamento do movimento ocular, por mais que este conceito, assim como os de inferir sinais corporais ou de estresse vocal como seguros indicativos de inveracidade estejam sedimentados de forma generalizada entre as pessoas.
Nosso sucesso ou insucesso profissional será uma consequência de nossas decisões. Nossas decisões se baseiam em nossas convicções. Nossas convicções são formadas pelo que acreditamos ser a verdade dos fatos. Se baseados em mitos populares acreditarmos em uma mentira ou desacreditarmos em uma verdade, e isto acabar sustentando uma decisão importante, teremos problemas também importantes de ordem profissional.
A detecção de mentiras é ciência. Como tal, passível de ser aprendida de forma sistemática, sem admitir ser resumida a simples interpretações de sinais corporais como popularmente se acredita. E como ciência, suas conclusões derivam de pesquisas feitas pela comunidade científica no mundo inteiro, principalmente nos Estados Unidos e Inglaterra.
Meu objetivo, em nossos encontros quinzenais a partir de hoje, será abordarmos conceitos fundamentais sobre entrevistas, interrogatórios, e sobre detecção de mentiras, com enfoque na maximização da produção de informações e na capacidade de filtrar a confiabilidade das informações produzidas, a fim de sustentar um eficaz interrogatório em busca de admissões ou confissões.
Fundamental é entender que só o que entrevistas e interrogatórios têm em comum é a recorrente confusão de seus conceitos em todos os ritos processuais, o que acaba por limitar ou comprometer a eficácia de ambos os procedimentos, tecnicamente distintos e próprios para também distintos momentos processuais. As mentiras, no entanto, estão sempre presentes, tanto em entrevistas quanto em interrogatórios, como desafios que precisam ser vencidos, sob pena de insucesso processual. A mentira, por omissão de fatos ou emissão de “informações” contrárias aos fatos, compromete o domínio e a consequente análise processual do advogado, desde o primeiro momento em que este entrevista seu cliente e/ou intervenientes, cujos testemunhos possam prover-lhe o conhecimento necessário ao real domínio dos fatos que embasarão suas convicções e decorrentes decisões de como conduzir o processo. Formar convicção sem detectar as mentiras que permeiam relatos obtidos em uma entrevista é como dirigir por uma estrada desconhecida com sinalização de trânsito que não corresponda aos eventos sinalizados: não vamos chegar ao destino almejado e…a segurança desta viagem errática ainda estará seriamente comprometida.
Não há fórmulas mágicas. Não há certezas e garantias. Há um universo de percepções a serem conciliadas e sistematizadas. Afirmar que há uma forma garantida de detectar mentiras é ignorância ou má fé. A ciência avança, há um século, desde o advento do primeiro polígrafo (detector de mentiras) até a utilização atual de complexos algoritmos de análise da voz, de micro expressões e do comportamento do cérebro, sem que um patamar de garantia tenha sido atingido.
Mas, se deixarmos de lado as informações sensacionalistas oriundas de supostos especialistas que proliferam na mídia e aplicarmos técnicas de real eficácia na maximização de nossas avaliações, nossas decisões nos levarão a índices de acerto próximos a 90% no resultado da detecção das mentiras implícitas a uma entrevista, e isto significará passar da proporção de 1:1 quando decidimos ao acaso, para a proporção de 9:1 decidindo com a utilização da técnica. Como afirmei anteriormente, é ciência.
Se quisermos, no entanto, obter informações confiáveis, ou identificar enganações, em relatos de nossos clientes, testemunhas, ou de qualquer interveniente em um processo, o primeiro conceito fundamental a ser compreendido é que a ferramenta, técnica e não processualmente definida, que deve ser utilizada para tal chama-se Entrevista e não Interrogatório. Uma entrevista tem as características de uma conversa. É ato bilateral sustentado por empatia que, estabelecida e mantida sob a forma de rapport, gera um fluxo natural e crescente de informações. Interrogatório é um questionamento unidirecional de cunho confrontacional. Não produz informações; busca admissão ou confissão do interrogado ao confrontar as informações obtidas em entrevistas anteriores com fatos ou evidências.
Não se interroga um cliente! Não se interroga uma testemunha sem antes passar pela fase de entrevista, mesmo que em ato contínuo em uma audiência ou em um tribunal de júri. Não se questiona, em uma audiência, durante a fase tecnicamente definida como de interrogatório, para obter informações ou para reforçar as próprias convicções. Os questionamentos devem prover, pelo conteúdo e pela forma das respostas obtidas, material de convencimento do juiz ou do júri. E em uma realidade em que os magistrados não têm tempo para se debruçar com a devida atenção sobre cada processo que julgam, e as bases para a formação de suas convicções são as audiências, o domínio dos fatos e das técnicas que produzam material para esta inferição em cada contexto pode significar o êxito ou o fracasso de uma missão processual.
Há quase uma década ministrando palestras e treinamentos pelos quais passaram mais de três mil alunos, em 140 edições, entre profissionais liberais e integrantes de instituições tais como a ESA/RS, Procuradoria da República/MG e Receita Federal do Brasil/RS, e com a experiência de ter protagonizado ações de inteligência utilizando técnicas de entrevista e de detecção de mentiras, algumas das quais pretendo apresentar aqui, espero poder prover-lhes subsídios que, se em um momento que seja, forem úteis para suas conquistas profissionais, me deixarão satisfeito por minha passagem pelo Canal Ciências Criminais.
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