Analise de um julgamento: a questão do curador especial e réu preso
Publicado por Melissa Luz Silva - 9 horas atrás
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Melissa Luz Silva
Munnik Tayla
EMENTARECURSO ESPECIAL - EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA PROLATADA EM AÇÃOINDENIZATÓRIA - ACÓRDÃO OBJURGADO CONFIRMANDO A HIGIDEZ DO TÍTULOEXECUTIVO JUDICIAL.IRRESIGNAÇÃO DO RÉU.1. Ação de conhecimento compreendendo pedido de reparação de danos resultantes de divulgação de notícias inverídicas, difamatórias, caluniosas e injuriosas, envolvendo a pessoa do autor.2. Citação pessoal do réu, seguida do recolhimento deste a estabelecimento prisional, ainda durante o decurso do prazo destinado à defesa na demanda cível. Decretação da revelia pelo magistrado a quo e prolação de sentença, que transitou em julgado.3. Nulidade do título executivo judicial. Ofensa aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa. Violação, ademais, ao art. 9, II, do CPC. Réu que, não obstante citado pessoalmente, tem sua liberdade privada quatro dias após o ato citatório, ainda durante o transcurso do lapso destinado à apresentação da defesa. Caso fortuito que impossibilitou a apresentação de resposta perante o juízo cível. Omissão do juízo em nomear curador especial que culmina na nulidade do processo desde a citação, exclusive, devendo ser restituído o prazo destinado à defesa.4. Alegação de nulidade absoluta resultante da ausência de nomeação de curador especial ao réu preso, articulada no bojo dos embargos à execução. Viabilidade. Inteligência do art. 741, I, do CPC, com redação anterior à vigência da Lei11.232/05.5. Recurso especial conhecido e provido.Dados do processo:Processo
REsp 1032722 / PR RECURSO ESPECIAL 2008/0033412-0Relator (a)
Ministro MARCO BUZZI (1149)Órgão Julgador
T4 - QUARTA TURMAData do Julgamento
28/08/2012Data da Publicação/Fonte
DJe 15/10/2012 RB vol. 588 p. 53 RSTJ vol. 229 p. 482
INTRODUÇÃO
Trata-se de um artigo elaborado por Melissa Luz Silva e Munnik Tayla sobre a questão da curadoria especial e o réu preso. Antes de falar propriamente da decisão do STJ sob exame, faz-se necessário relatar a história com um todo por questão de coesão. O caso trata de uma ação de reparação de danos por divulgação de notícias inverídicas difamatórias, caluniosas e injuriosas proposta por Rinaldo Dalaqua contra o ora recorrente Neviton Pretti Caetano. Em face dessa ação o juiz de primeira instância citou o réu em 03 de maio de 2004. Contudo, durante o prazo que o réu possuia para elaborar sua defesa foi recolhido à prisão mais precisamente em 07 de maio de 2004.
Diante da não-apresentação de resposta frente à petição inicial do autor da ação, como reza o art. 319 do CPC, julgou o juiz como verdadeiros todos os fatos apontados pelo autor, condenando Neviton Pretti Caetano a uma indenização de 400 salários mínimos. Após isso, Rinaldo Dalaqua procedeu com a execução da sentença, penhorando bens de Nevilton Pretti Caetano. Já fora da prisão e irresignado manejou o ora recorrente embargos à execução ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, alegando que a decisão da primeira instância era nula que, tendo ele sido recolhido à prisão, o juiz não lhe deu curador especial para que pudesse se defender.
Em impugnação aos embargos, o autor declarou que o caso do embargante não se enquadrava nas hipóteses do art. 741, CPC; além de a nomeação de curador especial ser ou para réu preso ou para réu revel citado por edital ou hora certa, conforme o artigo 9º, II, do CPC, casos esses que não se enquadram na situação do embargante.
Ao analisar o caso, o Tribunal de Justiça julgou improcedente o pedido do embargante dizendo que, mesmo com a prisão, não teria ficado ele em estado de vulnerabilidade, impedido de nomear um curador para defende-lo da acusação na vara cível uma vez que ele teve possibilidade de fazer isso na vara penal:
A evidência, que afasta essa qualidade de vulnerabilidade da parte, emerge do feito principal, quando se vê do relatório de sua sentença absolutória (fls. 123 - autos 507/04), que sua defesa foi patrocinada por advogado constituído. Ou seja, o embargante, inequivocadamente ciente da ação cível recaída contra si (já havia sido citado há quatro dias), tratou de contratar advogado para patrocinar a sua defesa em processo criminal, mas não adotou qualquer providência, para a ação cível proposta contra si[1]. (Grifo nosso)
Irresignado, recorreu Neviton Pretti Caetano da decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná ao STJ, com as mesmas alegações. Tal recurso especial deu ensejo à decisão que será analisada. Diferente da segunda instância, o STJ julgou procedente o recurso especial, anulando a decisão da primeira instância desde a citação, encaminhando o caso novamente para a primeira instancia, para que lhe seja dado tempo de se defender dar alegações do autor da ação, pois a prisão do réu prejudicou o seu direito de defesa.
ANÁLISE
Como defendia Oskar Von Bülow, o processo é uma relação jurídica entre o juiz e as partes do processo. No entanto, o conceito puramente positivista de processo, que o restringe a uma mera relação jurídica entre o cidadão e o Estado se mostra inadequada ao atual paradigma do Estado Democrático de Direito. Isso porque com a supremacia da Constituição frente aos outros ramos do Direito; tornou-se necessário que o processo não só se preocupasse em dar ao autor a resposta à sua pretensão, mas também garantir a execução dos direitos e garantias fundamentais.
Dessa forma, como defende Pedro Lenza:
O processo nunca é um fim em si mesmo. Ninguém ingressa em juízo tão-somente para obtê-lo. Constitui apenas um instrumento utilizado pela jurisdição, para aplicar a lei ao caso concreto. Daí que deve atender, da melhor maneira possível, a sua finalidade, qual seja, fazer valer o direito da parte, que entende violado. O processo deve amoldar-se à pretensão de direito material que se busca satisfazer[2]. (Grifo nosso)
Como os direitos que estão em pauta são os dos próprios destinatários da tutela jurisdicional, não pode o Estado se utilizar do processo irresponsavelmente sem se preocupar em dar a ele legitimidade.
Dentre os requisitos julgados essências para a aquisição de legitimidade do processo, elenca Marinoni o direito a uma efetiva participação por parte dos seus destinatários:
A legitimação pela participação decorre da efetividade da participação das partes na formação da decisão, já que apenas proclamar o direito de participação sem outorgar às partes as condições necessáriasa tanto, implica em negar a própria legitimidade que se pretende transmitir com a idéia de participação. (Grifo do autor)[3]
Tal requisito encontra-se positivado como direito fundamental no art. 5º, LIV, da CF(ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;), cujos princípios que lhe servem de base são os da ampla defesa e do contraditório, dando as partes igual possibilidade de participação no processo de formação da sentença.
A curadoria especial serve exatamente a estes principios. Ela é um múnus público que procura garantir a uma ou ambas as partes do processo igual oportunidade de participação na formulação da sentença quando fatores do caso concreto o impedem de exercer o direito ao contraditório e ampla defesa. O artigo 9º do CPC indica quais os casos em que caberá ao juiz nomeá-la:
I - ao incapaz, se não tiver representante legal, ou se os interesses deste colidirem com os daquele;II - ao réu preso, bem como ao revel citado por edital ou com hora certa.
A primeiro momento, tais hipóteses não se enquadram no presente caso uma vez que o recorrente não era, ao tempo da ação, nem incapaz nem preso e também não havia sido citado por edital nem por hora certa. Contudo, como defendeu o ministro relator Marco Buzzi a leitura literal para dizer que ele não se aplicaria ao caso concreto, como queria a parte recorrida, implicaria em uma violação ao principio do contraditório e da ampla defesa. Tal hipótese claramente não poderia ser considerada uma alternativa uma vez que cabe ao juiz interpretar o Código segundo os direitos fundamentais, como defende Marinoni[4].
Logo, correto é o raciocínio do ministro ao dizer:
É imprescindível a aplicação do artigo 9º, inciso II, do CPC, mediante uma interpretação extensiva do conceito de "réu preso", no sentido de abarcar não somente o indivíduo que ao tempo da citação já estiver encarcerado, mas também todo aquele que em razão de restrição prisional, ainda que ocorrida após o ato citatório, porém durante o transcurso do prazo para a apresentação de contestação, tiver diminuída a sua capacidade de defesa ante o advento da reclusão.
Logo, apesar de não estar evidenciado no artigo 9º do CPC, era direito do recorrente a nomeação de curador especial que pudesse garantir o seu direito de igual participação na formulação da sentença. Além disso, como indica o acórdão é necessário lembrar que a não-apresentação de resposta ao pedido do autor ocorreu por caso fortuito e não por ato negligente do réu. Não vale, portanto, o argumento utilizado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, para não deferir o pedido do embargante, de que ele teve mais diligência para contratar um advogado na área criminal do que na área cível. Como é evidenciado na decisão:
Ademais, o fato de o réu ter constituído procurador para defendê-lo, na esfera criminal, de per si, não afasta a mitigação da ampla defesa e do contraditório no âmbito cível, porquanto naquele momento, tal medida caracterizava-se como imprescindível à restituição de sua liberdade.
A idéia de processo passou por várias etapas, onde lhe foram elaboradas diversas teorias. Dentre as teorias de sua natureza, destaca-se a teoria do processo como uma relação jurídica, desenvolvida com o apoio do positivismo; e a teoria do processo como um procedimento em contraditório, elaborada com o pós-positivismo e o destaque nos princípios que servem como base para as leis.
De acordo com a noção do processo como um rito em que se há ampla participação das partes, o devido processo legal, a ampla defesa e direito ao contraditório se tornaram os basilares do processo. Partindo dessa idéia, a citação válida tornou-se um pressuposto processual de imensa importante.
A ausência de citação ou uma citação invalida e a não nomeação de curador especial agrava de tal modo o processo e os princípios constitucionais já citados que gera uma nulidade absoluta. Essa nulidade se dá devido ao fato da redução da capacidade de defesa do réu incapaz, preso ou citado por edital ou hora certa.
Vicio que gera uma nulidade absoluta, como a observada nesse caso, pode ser conhecida pelo juiz de oficio e alegada por qualquer parte do processo e a qualquer tempo (art 245, parágrafo único, CPC). Muitas vezes, uma nulidade é convalidada com o trânsito em julgado, porém, uma citação irregular não suprida, a incompetência absoluta, o impedimento, dentre outras, podem ser argüidas em embargos de execução e em ação rescisória, conforme afirma Donizetti Nunes.
A declaração de nulidade absoluta de algum ato ou de todo o processo não é gerada apenas por meio de ação rescisória. Conforme afirma o ministro em seu voto:
Seria inusitado, ademais, que a nulidade absoluta advinda da falta de nomeação de curador tivesse de ser alegada somente em ação rescisória, ao passo que a nulidade absoluta originada da falta de citação pudesse ser objeto da querela nulitatis. Não existem graus a distinguir essas duas nulidades absolutas, sobretudo quando ambas têm a mesma natureza jurídica e nascem da afronta à idêntico princípio constitucional.
Quando se decreta a nulidade, o juiz deverá declarar os atos atingidos, por conta do encadeamento dos atos processuais, um ato acarretará a anulação de todos os subsequentes que dele dependam. Trata-se do art. 248 CPC e do principio da causalidade. É por isso que é correta a decisão tomada pelo Ministro Marco Buzzi em decretar a nulidade da execução, e da ação de indenização, desde a citação do réu, devendo o magistrado a quo oportunizar ao réu prazo para a apresentação de defesa.
Piero Calamandrei já havia notado a necessidade de se determinar um curador especial, pois “não poderia abrir mão daquele tipo de colaboração que se realiza por intermédio do contraditório, exatamente entendido como método de busca da verdade baseado na contraposição dialética.”
Diante das possibilidades de se anular um processo, mesmo depois do trânsito em julgado, ou de parte deste, surge a questão da ofensa ao principio da segurança jurídica, que impede a desconstituição de atos ou situações jurídicas, tendo em vista que, muitas vezes o desfazimento de um ato viciado pode ser mais prejudicial do que mantê-lo.
Nesse caso, especificamente, teríamos então o choque de dois princípios constitucionais, o da ampla defesa e contraditório e o da segurança jurídica. Com relação ao primeiro, Neviton foi atingido por não ter-lhe sido nomeado um curador especial e por ter sido preso ele não pode procurar um advogado e fazer sua contestação. Se referindo à segurança jurídica temos toda a desconstituição feita pelo ministro para que o processo voltasse ao momento de citação do réu.
Para solucionar essa colisão de princípios e evitar o prejuízo de alguma parte, deve ser feita uma compatibilização hermenêutica. O processo não foi extinto, mas, sendo a citação, e conseqüente designação de curador especial, um pressuposto de validade do processo, seria inviável mantê-lo em vicio. Desse modo, observa-se justa a decisão tomada pelo ministro em desconsiderar a antecipadíssima resolução da lide que considerou o réu revel.
CONCLUSÃO
Nesse acórdão destaca-se então vários aspectos a serem observados no processo, dentre eles estão o principio da segurança jurídica, do contraditório e da ampla defesa, os pressupostos processuais, como a citação valida, a capacidade de estar em juízo, delas derivando a obrigatoriedade de determinação de um curador especial em casos de réu incapaz, preso, ou citado por hora certa ou edital.
Toda a complexidade do caso se encontra no fato do réu ter sido citado quando ainda estava em liberdade, porém, sua liberdade foi restrita tendo decorrido apenas 1/3 do prazo de manifestação da contestação. Como exposto pelo relator, a revelia não se deu por conta própria e sim em decorrência de fato alheio a sua vontade (a prisão), o ora recorrente foi condenado ao pagamento de indenização, sem que lhe fosse oportunizado o devido contraditório, constitucionalmente assegurado a todos aqueles que litigam em juízo.
Todo magistrado deve se ater ao caso concreto para então aplicar corretamente a lei, a observação de revelia por motivo alheio e a compatibilização hermenêutica foi de crucial importância para desconstituir todo o processo. Por estar solto, não seria mais necessário um curador especial, mas a oportunidade de oferta de defesa no processo de conhecimento deve ser restituída ao réu.
A dupla considera correto o entendimento do STJ, de deferir o recurso e anular o processo desde a citação, garantindo dessa vez que o réu pudesse efetivamente se defender e, considerando sua defesa, ser gerada uma nova sentença.
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