Negócios Jurídicos Processuais – Uma revolução no Direito Processual Civil
(exemplos do que poderá ser feito)
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Trata este artigo de um tema realmente empolgante e que, ao nosso ver, tenderá a mudar para melhor a dinâmica do processo civil. Contudo, isso exigirá muito preparo e cuidado por parte dos Advogados.
Falamos dos negócios jurídicos processuais introduzidos nos artigos 190 e 191 da Lei13.105/2.015 (os quais, não nos cansaremos de repetir, entrarão em vigor em 80 dias -algo que exige muita preparação e estudo por parte dos Advogados).
O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 JÁ PREVIA A POSSIBILIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS
Como diz o subtítulo acima, o artigo 158 do CPC/1973, ainda que com uma redação um pouco confusa, já previa a possibilidade da criação e formulação de negócios jurídicos processuais inter pars. Citamos abaixo a íntegra da norma:
Art. 158. Os atos das partes, consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade, produzem imediatamente a constituição, a modificação ou a extinção de direitos processuais.Parágrafo único. A desistência da ação só produzirá efeito depois de homologada por sentença.
É certo, contudo, que o texto não muito claro da norma em comento associado ao fato de estarmos falando de uma lei criada num período de exceção (de ditadura militar) não estimulou os Advogados a formular convenções processuais, como regra geral. Não obstante, há jurisprudência ligada ao CPC/73 que permitia às partes a celebração de negócios jurídicos processuais [STJ – 617.722/MG e TJSP 906.181-2].
Como diz a Doutrina de Fábio Peixinho Gomes Corrêa: “É inegável o valor que o CPCem vigor conferiu aos negócios jurídicos processuais típicos”[1].
Tanto assim o é que quando as partes convencionavam num acordo sobre a desistência do direito de apelar contra sentença que o homologasse, ou ainda quando numa audiência de instrução (e já vivi isso algumas vezes) o Juiz permite que as partes fixem prazo para a apresentação de memoriais, as partes nada mais faziam, ainda que não dessem esse nome ao Instituto, que estabelecer entre si, com a palavra final do Estado-Juiz, Negócios Jurídicos Processuais.
Todavia, com o advento da Lei 13.105/2.015, o artigo 190 da norma deixa bem claro a ampla liberdade que as partes terão para a formulação de negócios jurídicos processuais. Vamos ao que diz o texto da lei:
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
O artigo em questão é de uma precisão terminológica incrível e, com apenas 587 caracteres [algo equivalente a quatro mensagens de Twitter]poderá gerar uma plena revolução no Processo Civil Brasileiro.
Façamos, em primeiro lugar, uma rápida interpretação da Lei: 1) trata-se de direitos que admitam a autocomposição, isto é, disponíveis; 2) torna-se permitido para as partes plenamente capazes [isso afasta desta possibilidade processos que envolvam pessoas total ou parcialmente incapazes – contudo, o estatuto do deficiente Lei13.146/2.015 poderá alterar sensivelmente este quadro]; 3) a norma diz que, de ofício ou a requerimento, o Juiz pode manifesta-se sobre as normas procedimentais eleitas pelas partes, isto significa que logo no início do processo o Juiz poderá ser instado a manifestar-se sobre a legalidade/constitucionalidade do quanto convencionado; 4) não serão aceitas pelo Magistrado normas que sejam manifestamente nulas, que tirem da parte o exercício pleno do contraditório e do devido processo legal; 5) também não será aplicada a possibilidade de as partes convencionarem em contratos de adesão; e finalmente 6) não poderão as partes firmar negócios jurídicos processuais em situações de manifesta vulnerabilidade.
O adjetivo “manifesta” antes do termo “vulnerabilidade” deixa claro que não se trata de qualquer pequeno desequilíbrio de forças entre as partes que impedirá a aplicação do artigo 190 do NCPC. Até mesmo porque, numa ação civil, trata-se de uma utopia imaginarmos um processo com exata paridade de armas entre as partes. Sempre haverá uma das partes que terá ou maior conhecimento técnico, ou mais recursos financeiros, ou até mesmo um melhor corpo de Advogados que a represente.
Imaginemos, por exemplo, uma ação ligada ao Direito Financeiro [que excepcionalmente não seja resolvida através da arbitragem] entre Banco Bradesco e Banco Itaú. Apesar de ambos terem o pleno domínio das questões técnicas ligadas àquela área específica do Direito, apesar de ambos terem, de certa forma, uma idêntica paridade de recursos disponíveis para gastar com o processo, o fato é que [e isso é algo randômico] uma das Instituições Financeiras em questão contará com um melhor corpo de Advogados. É inegável que isso porá um Banco em desvantagem em relação ao outro. Será então que, apenas por essa razão, o Magistrado deverá anular os negócios jurídicos processuais firmados? Óbvio que não. Até mesmo porque, se assim o fosse, o artigo 190 do Novo Código de Processo Civil seria letra jurídica natimorta pois, como dissemos, é matematicamente improvável que num processo cada uma das partes tenha exatamente, sem diferença alguma (seja técnica, seja financeira), a mesma quantidade de recursos que a outra.
O que podemos afirmar é: certo grau de “vulnerabilidade” sempre haverá e a função do Juiz de Direito, como alguém que tem que arbitrar a questão a ele levada, é a de, na medida do possível, procurar equilibrar o processo, garantindo a plena eficácia do quanto fora contratado, inclusive no que diz respeito aos negócios jurídicos contratuais.
O termo “manifesta” insculpido na norma é algo que não deve trazer dúvidas ao exegeta, uma vez que (diferente do artigo 158 do CPC de 1.973 que, de certa forma, era hermético) o artigo 190 do Novo Código de Processo Civil é de clareza solar e, como iríamos dizer, o termo “manifesta” é algo inteligível ao “homus medius”. Não precisa ser Advogado ou Magistrado para saber que o adjetivo “manifesta” significa: patente, notório, evidente.
Noutras palavras, não é qualquer situação de vulnerabilidade que deve invalidar um negócio jurídico contratual. Entendemos, repetindo o que já dissemos acima, que os Magistrados ao se depararem com o tema deverão anulá-lo apenas e tão-somente naqueles casos em que (como assinalou Jean-Baptiste-Henri Dominique Lacordaire ) a Liberdade de Escolha venha a oprimir uma das partes.
Contudo, ressaltamos tratar-se de situações que deverão ser raríssimas e usadas com muita, mas muita, parcimônia pelo Judiciário. Até mesmo porque a norma, de forma direta, já veda a sua utilização em relações de consumo (dos preceitos do artigo 190 do Novo CPC) e, de forma indireta, também a proíbe em relações ligadas ao Direito do Trabalho.
Considerações sobre as nulidades:
É importante que, ao estabelecer um negócio jurídico processual, as cláusulas guardem reciprocidade entre as partes. Noutras palavras, tudo aquilo que for valer para o contratante também deverá valer para o contratado.
Necessário se faz que, ao analisar esta seção de um contrato, as partes verifiquem que - não importa quem esteja na condição de credor- os direitos, deveres e obrigações que as partes terão endoprocessualmente serão absolutamente os mesmos.
A tentativa de logro de uma parte sobre a outra, com a redação de cláusulas que estabeleçam o negócio jurídico-processual de forma complexa, poderá acarretar a nulidade do instrumento.
Sobre este tema diz Nelson Nery Junior[2]: “As partes podem apresentar o acordo sem a intervenção do juiz na sua elaboração, mas sua validação dependerá da análise e referendo do juiz. O acordo deverá atentar para todas as exigências formais envolvidas em qualquer negociação e para todas as situações que, eventualmente, possam configurar nulidade”.
Mais que proporcionalidade, é necessário também que haja razoabilidade nos negócios jurídicos processuais. As partes, ao firmarem este tipo de contrato, devem evitar prazos extremamente exíguos ou longos para apresentar respostas e manifestações no processo. Depósitos de caução irrazoáveis, que sejam óbice ao Pleno Exercício do Direito de Ação, também devem ser evitados, sob pena de serem considerados nulos pelo Magistrado.
Sugestão de negócios jurídicos processuais
Feitas essas considerações e considerando que o Novo CPC (ressalvadas as relações desiguais e de extrema vulnerabilidade) deu ampla liberdade às partes para criarem “normas procedimentais” [desenvolvemos alguns modelos de contratos com a inserção de cláusulas de negócios jurídicos contratuais para o curso que desenvolvemos em parceria com a Peak Cursos:http://peak.rampcdn.com/Mediasite/Play/1bc39bea789b4af9b3c7a542fb9af63b1d ], apresentamos agora algumas sugestões, que entendemos válidas, de negócios jurídicos processuais:
O Rol do artigo 1015 do Novo CPC, Agravo de Instrumento, passará a ser meramente exemplificativo
O rol do artigo 1015 do Novo Código de Processo Civil, o qual regulamenta o Agravo de Instrumento, é taxativo, isto é, somente será cabível Agravo de Instrumento contra decisões interlocutórias contra as decisões ali previstas, o que, com respeito à Comissão de Juristas que elaborou a norma, é um retrocesso, posto que, em última análise os Advogados acabarão sendo obrigados a voltar ao ano de 1.995, quando era necessária a impetração de Mandado de Segurança contra atos judiciais.
Tudo isso pode ser evitado se, no contrato, as partes estabelecerem que contra toda e qualquer decisão interlocutória poder-se-á recorrer através de Agravo de Instrumento, deixando as partes bem claro que, para a discussão de direitos oriundos daquele contrato, o Rol do artigo 1015 do Código de Processo Civil será meramente exemplificativo.
As apelações serão recebidas somente no efeito devolutivo
Uma das maiores falhas do Código de Processo Civil de 1.973 fora mantida na Lei13.105 de 2.015, foi a manutenção do efeito suspensivo, como regra geral, aos Recursos de Apelação.
O efeito suspensivo, como regra, dos recursos de apelação é algo que depõe contra a força transformadora do Direito e, num país onde o juros que uma empresa para num processo judicial é muito menor que os bancários, o Recurso de Apelação passa a ser um “ativo jurídico-econômico”. Algo que pode ser resolvido com uma cláusula que estabeleça que o Recursos de Apelação interpostos em razão daquele contrato serão recebidos apenas no efeito devolutivo.
A execução provisória far-se-á da mesma forma que a definitiva, independentemente da prestação da caução
Esse é outro ponto que merece atenção por parte dos Advogados, no momento de elaborar um contrato. De nada adianta uma cláusula que diga que a apelação somente tem efeito devolutivo se, para levantar os valores do processo, a parte tiver que vender patrimônio para a garantia do Juízo.
É prudente, todavia, que seja inserida também uma cláusula que determine que em caso de eventual recurso de apelação a execução.
Que as partes contratantes – principalmente no caso do Negócio Jurídico Processual for estabelecido pré-processualmente, isto é, no contrato – estejam assistidas por Advogados
Aqui um ponto deverá ser fundamental para a formulação de negócios jurídico contratuais. É necessário, ao nosso ver, até mesmo para que não se configure uma situação de vulnerabilidade, que as partes contratantes estejam assistidas por advogados e, dependendo do valor do contrato, não é demais exigir que o advogado que esteja a acompanhar a parte tenha algum grau de especialização (seja na área acadêmica, seja através de suas atividades profissionais) no assunto objeto do contrato. Convenhamos que de pouco adianta um Advogado criminalista assessorar alguém na elaboração de um contrato imobiliário, por exemplo.
Conclusão geral deste artigo
Em suma, a possibilidade clara e inequívoca de as partes poderem estabelecer, entre si, em relações paritárias que versem sobre direitos disponíveis, normas procedimentais. Contudo, é fundamental que os Advogados, na hora de elaborar o contrato [e os modelos que preparamos, bem como algumas sugestões aqui postadas, são apenas um parte do muito que pode ser feito, e que dependerá apenas e tão-somente da criatividade dos Advogados, que terão que tomar o cuidado, principal, com a formação de nulidades.
[1] In, AASP, Revista do Advogado, número 126, páginas 76-81, artigo intitulado: ‘Negócios Jurídicos processuais: uma nova fronteira?”
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