O fim da expressão "advogado de porta de cadeia"
Esse preconceito ainda existe?
Publicado por Diego Brandão de Melo - 1 dia atrás
Por Diego Brandão de Melo.
Quem nunca ouviu alguém afirmar, com tom pejorativo, que determinado profissional do Direito trata-se de “advogado de porta de cadeia”? Às vezes até entre pessoas da nossa própria família ou entre amigos temos o desprazer de escutar algo desse tipo.
A falta de escrúpulos não se resume apenas aos profissionais da advocacia. Os médicos, por exemplo, são igualmente submetidos a tamanho infortúnio, quando, não raras vezes, são chamados de “doutor pé de cama”, numa antiga alusão a tratamentos domiciliares de urgência (anteriores ao surgimento da Unidade de Terapia Intensiva – UTI) que eram realizados, no Brasil, até o ano de 1970, quando o paciente, embora submetido a essa terapia, quase sempre não resistia e chegava a óbito; ou ainda “doutor aspirina”, para dizer que aquele médico não consegue diagnosticar corretamente as patologias que lhe são apresentadas e, por isso, não sabe receitar outro medicamento, na intenção de rotulá-lo como profissional de “quinta categoria”.
Voltando aos advogados, geralmente as expressões pejorativas são externadas quando aquele que as reproduzem acredita não ser de “qualidade” o profissional do Direito ao qual se refere, ou quando a atuação técnico-jurídica do advogado, embora justa e pautada na Lei, contraria interesses de determinado grupo social ou mesmo quando vai de encontro com o clamor popular, comumente direcionado pelo famigerado apelo midiático.
Os advogados criminalistas, por defenderem teses penais de vanguarda dos direitos do investigado/acusado, geralmente ficam mais expostos a esse tipo de expressão depreciativa. Por terem que se dirigir às delegacias de polícia diariamente para acompanhar o flagrante de seus clientes ou o cumprimento de alvará de soltura; colher informações do acusado preso; ou cumprir alguma diligência, os causídicos que atuam nessa área ficam mais à vista daqueles que, de outro lado, desejam exatamente o inverso daquilo que o defensor almeja. Por essa razão, surgem expressões, piadas e clichês com a intenção frustrada de hostilizar esses profissionais e manchar a sua imagem junto à sociedade e às autoridades, na tentativa perversa de enfraquecer o direito de defesa e, com isso, dificultar que o acusado possa provar a verdade dos fatos que lhe são imputados, evitando, por exemplo, que uma condenação recaia sobre aquele que nenhuma participação teve no ato supostamente criminoso.
Acontece, contudo, que na última terça-feira (12/01/2016), foi publicada a Lei nº13.245, que alterou o art. 7º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), incluindo o inciso XXI, que trouxe importante avanço conquistado no âmbito das prerrogativas, pois colocou como OBRIGATÓRIA A PRESENÇA DO ADVOGADO NO INQUÉRITO ou qualquer investigação, com o direito de apresentar questões e razões em defesa do investigado. Para o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, a data de 12 de janeiro de 2016 "trata-se de um dia histórico para a valorização da advocacia como instrumento de proteção dos direitos do cidadão”.
Segue abaixo, a redação do novo texto legal:
Art. 7º São direitos do advogado:[...]XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:A) apresentar razões e quesito[...]
Como se vê, a partir de agora será obrigatória a presença do advogado no inquérito policial ou em qualquer outro tipo de investigação (instaurado em delegacias de polícia, Ministério Público, corregedorias, etc.), sob pena de ser declarada a nulidade do interrogatório ou depoimento prestado pelo cidadão que está sendo acusado.
O advogado, doravante, passará a ser parte integrante do dia a dia da atividade policial, sendo convocado (e não mais facultado) a atuar sobretudo junto às delegacias de polícia, a fim de defender os interesses da cidadania e evitar que, adiante, o feito investigativo seja considerado nulo por não ter sido acompanhado pelo profissional responsável pela defesa do suspeito/indiciado. Logo, o inquérito deixou de ser uma peça meramente inquisitória!
E os advogados criminalistas, que antes eram chamados por alguns poucos de profissionais de “porta de cadeia”, agora podem ter dias melhores, já que sendo obrigatória a sua participação nos atos de investigação, não haverá mais cabimento (como nunca houve) para que se insista em atingir vergonhosamente a imagem desses profissionais de defesa do cidadão, já que a “porta da cadeia” (entenda-se: delegacia de polícia), de hoje em diante passará a ser compulsoriamente o seu local de trabalho, como o é também dos delegados de polícia, escrivães, peritos, agentes policiais, etc.
Parece estar com os dias contados a existência de algumas expressões populares eivadas de puro preconceito e descaso, que em nada contribuem para a obtenção de uma convivência social harmônica, conjugada com o estabelecimento de uma sociedade justa, fraterna e igualitária, onde todos possam seguir o seu caminho sem prejudicar ou atingir o interesse alheio, de forma que os pontos de vista de cada um sejam divergentes (tese X antítese = síntese), porém, respeitando aquele que defende o posicionamento oposto. A vida em sociedade exige tolerância e respeito com o outro, esteja ele de que lado estiver.
Assim sendo, não há dúvida de que a Lei nº 13.245/16, tornará menos conflituosa a relação entre aqueles que defendem e os que acusam, colocando o advogado criminalista como figura indissociável da investigação penal, reconhecendo esse profissional, ademais, como a única figura defensiva do cidadão na esfera policial, cenário este que há muito tempo já vem sendo reconhecido por imensa maioria da população brasileira, mas que só agora foi formalmente conquistada e, com o passar dos anos, acredita-se que fará desaparecer do vocabulário popular a expressão “advogado de porta de cadeia”.
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