Como "pessoas de sua confiança" podem participar de acordos e mediações?
Uma avaliação positiva da regulação que a Lei Nº 13.140 faz da atuação de auxiliares leigos ou profissionais, antes do acordo começar.
Publicado por Thiago Venco - 4 horas atrás
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Faremos aqui uma interpretação da Lei de Mediação para defender a hipótese de que antes de o acordo começar, as partes tem o direito de receber apoio de pessoas de sua confiança para a preparação do Escopo de Negociação e Convite ao Acordo – sejam elas profissionais ou não.
É interessante notar que a expressão “pessoas de sua confiança” está textualmente presente no corpo da Lei. Estamos falando de nossos pais, cônjuges, filhos, amigos, professores, mestres, colegas.
Depois de apresentar a análise desta Lei, de Nº 13.140, defenderemos a vital necessidade do cidadão poder contar com auxiliares para sentir-se seguro de optar pela via do acordo.
Para aumentar a adesão e a eficiência dos acordos, acreditamos que o Brasil deve consolidar a orientação legal e metodológica para este papel.
Uma vez que partimos da premissa de que um bom convite ao acordo é essencial para convencer a segunda parte a aceitar a negociação - com ou sem mediadores - acreditamos que este seja o principal objetivo dos “ajudantes”: trabalhar na fase de construção do convite ao acordo (função da 1ª parte) e na avaliação dos termos contidos no convite ao acordo (função da 2ª parte).
Esta tarefa de convencimento e persuasão não é trivial. Apenas uma pequena minoria da população recebeu algum tipo de orientação ou treinamento para realizar uma atividade tão complexa, repleta de nuances, estudada a fundo por pesquisadores do mundo inteiro.
Considerando ainda que a Lei de Mediação não regula estritamente ou detalha o formato do “Escopo de Negociação”, a tarefa de fazer um convite à segunda parte (convite que deve conter tal escopo) aumenta em dificuldade – daí a necessidade de o cidadão poder contar com o auxílio de outras pessoas, sejam elas profissionais ou apenas conselheiros em quem confiam, enquanto forma de ter mais segurança na condução deste processo tão crítico para o sucesso de seus objetivos.
Aqui temos um artigo que traz um manual de orientação para pessoas leigas podem redigir bons escopos de negociação.
Para prosseguir com nosso argumento, queremos observar na própria Lei de Mediação as etapas que delimitam o início do acordo, de forma a defender que a atuação de outras pessoas antes do acordo começar podem ser realizadas com maior flexibilidade – ainda que imbuídas dos princípios e valores sustentados pela lei, tais como a confidencialidade, informalidade, boa fé, autonomia das partes, busca do consenso, oralidade. Mais adiante falaremos mais da confidencialidade, pois esta se configura como um “dever” dos envolvidos, mais do que um valor a ser seguido.
Notem que para esta argumentação, propositalmente excluímos da lista de princípios acima elencados os únicos dois valores que restam apresentados na Lei de Mediação: “imparcialidade do mediador” e “isonomia entre as partes”. O motivo disso é que esta figura do ajudante, auxiliar, não deve ser confundida com o papel do mediador; devemos ter clareza que tais apoiadores se limitam ao contato com uma das partes; que muito provavelmente não participarão do acordo em si, uma vez que ele se inicie; que seu papel é apoiar uma das partes e neste sentido, ele está “protagonizando”, não é figura neutra, seus interesses se alinham com o de uma das partes.
Ainda assim, para defendermos ao menos o princípio da “isonomia entre as partes”, vamos defender aqui que se a primeira parte tem o direito de solicitar auxílio antes do início do acordo, igualmente a segunda parte tem o mesmo direito de recorrer a ajuda de pessoas de sua confiança para analisar o convite e o escopo de negociação.
Resumindo, se a primeira parte pode contar com ajuda para redigir um escopo e um convite, a segunda parte pode contar com ajuda para compreender e analisar o convite e o escopo de negociação. Ou seja: os ajudantes convidados não atuam no acordo. Eles auxiliam numa fase que poderia ser chamada de “pré-acordo”.
Retomando a questão da confidencialidade, a Lei de Mediação deixa claro que ela se estendo a esses participantes “prévios”, auxiliares informais da etapa que precede o início do acordo:
No entanto, esta outra determinação abaixo que versa sobre a confidencialidade não se aplica a este caso que estamos discutindo, pois mais uma vez, afirmamos que as pessoas da confiança que auxiliam as partes antes do acordo começar não são mediadores:
Reforçando o argumento: os ajudantes não participam de sessões privadas. Ainda assim, o dever de confidencialidade segue valendo, não sendo aceitável que um ajudante de uma das partes entre em contato com a outra parte para revelar informações privilegiadas que possui.
Vamos lembrar que nem todos os acordos acontecem no universo das iniciativas do Poder Judiciário; que nem sempre poderemos contar com especialistas no tema da negociação extrajudicial.
É fundamental aliás que o brasileiro construa territórios autônomos de negociação, experimentando novas possibilidades que se adaptem à suas realidade locais, sempre respeitando a lei em vigor. Por isso, a orientação aos ajudantes informais merece divulgação, merece ser acessível e valorizada.
Os saberes tácitos de negociação não devem ser substituídos nem muito menos depreciados: uma pessoa que tenha adquirido ao longo da vida uma habilidade ou competência de mediação, de forma intuitiva, tem o pleno direito de exercer sua capacidade ao auxiliar comunidades, escolas, familiares, vizinhos, parceiros.
Assim, não queremos aqui dizer que o foco desta comunicação de interesse público seja a capacitação ou formação de “pessoas de sua confiança” – mas sim, no mesmo espírito da Lei de Mediação, determinar os limites da atuação sem sermos prescritivos, normativos ou dogmáticos.
Por fim, com o desenvolvimento de novas ferramentas e plataformas online de suporte à realização de acordos, abre-se um novo potencial de que a experiência atual de comunicação em redes sociais seja aproveitada para que se faça um uso mais potente da internet, ou seja: para que o cidadão exerça o potencial de resolver suas disputas, individuais ou coletivas, indo além do entretenimento, da divergência superficial, da mera reclamação pública.
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