sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

O estudo do Direito e o nível da nossa doutrina jurídica

O estudo do Direito e o nível da nossa doutrina jurídica

Publicado por João Gaspar Rodrigues - 2 dias atrás
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O estudante quando entra na Faculdade de Direito se pergunta: o que irei estudar? Onde está o objeto da ciência jurídica? Será a lei? Uma imensidão de perguntas povoa a cabeça do calouro. E não sem razão. Tais indagações acompanham o profissional mesmo depois dos bancos escolares. E já posso adiantar uma dica: o bom profissional de Direito não deve saber só Direito. A realidade jurídica não deve esgotar-se no fenômeno jurídico.
O discurso jurídico deve ser “puro”, como queria Kelsen, não se socorrendo de elementos extrajurídicos? Antes de manifestar nossa opinião a propósito da questão, o leitor pode indagar: por que esta ordem de indagações metafísicas? Bem, na verdade, o intuito é revelar o nível científico em que se encontra a nossa doutrina jurídica. Recentemente, relendo um livro do alagoano Gabriel Ivo, Constituição estadual..., tese de mestrado pela PUC/SP, percebi o manuseio de conceitos positivistas há muito cobertos pela pátina do esquecimento, mas que, entre nós, ainda assumem sabor de novidade.
Logo de cara, o autor afirma que pretende desenvolver o estudo sob a ótica do direito constitucional vigente, tomando caminhos estritamente jurídicos. Diz ele: “Esqueceremos incursões do ponto de vista sociológico, político, econômico, histórico...” (p. 18). E em nota de rodapé, na mesma página: “O discurso próprio desses saberes pode e deve ajudar na explicação da norma jurídica. O que não pode é fundamentar o discurso da Ciência do Direito, tomada em seu sentido estrito. Isso é uma atitude metódica. Colocar tais saberes entre parênteses é um corte metodológico sobre o continuum que é a realidade social, na qual o direito se insere”.
Muito bem. As contradições borbulham das linhas acima com muita facilidade. Primeiro, os saberes outros (sociologia, história etc) podem devem ajudar na explicação da norma jurídica, mas não podem fundamentar o discurso da Ciência do Direito (?). Ora, o discurso da ciência jurídica se dá (se fundamenta), segundo palavras do autor, sobre o direito vigente, que por sua vez é explicado com a ajuda de saberes extrajurídicos. Eis a primeira contradição. Segundo, se o direito se insere na realidade social e se nesta estão presentes os saberes extrajurídicos, não há como isolá-lo totalmente, nem mesmo cerebrinamente, deste cadinho multiforme. Eis a segunda contradição.
O autor se ampara em revelhas lições de Hans Kelsen, como se verifica à página 25, onde o conhecido vienense prega a absoluta “pureza” da ciência jurídica. Mas não fica só por aí a constatação. O autor consumiu as lições kelsenianas na escola paulista como jóia de brilho novo e ainda na moda. Nada disso, entretanto, é o que se vê nos modernos princípios que regem o estudo e o ensino do Direito.
A ordem jurídica internaliza valores e ao mesmo tempo é instrumento na consecução de outros valores (como: ordem, paz, justiça, segurança etc.). E nesta busca, estabelece-se o choque entre valores igualmente protegidos, surgindo a necessidade de saber quais valores devem ser mais prestigiados e até que ponto outros devem ser sacrificados. Tais indagações implicam num tangenciamento no campo da ética, da sociologia, da antropologia, da psicologia, da história etc. Um retrato fiel de que o Direito não é auto-suficiente, e nem tem todas as respostas que lhe exigem.
O positivismo jurídico sustenta que as normas jurídicas são prescrições, ao passo que os enunciados ou generalizações científicas têm natureza descritiva. Como não possuem nada em comum, não podem fundir-se para criar o aspecto objetivo do direito positivo. Daí porque para os positivistas os fatos fenomênicos constituem apenas um fenômeno paralelo dissociado da natureza do direito positivo. No interior da norma jurídica, para eles, não entra um átomo sequer de matéria natural.
Mesmo os mais fanatizados positivistas são obrigados a reconhecer as referências aos fatos, à causalidade e a indicações análogas das normas jurídicas. A representação dos fatos nas normas jurídicas faz parte da significação dessas normas. Portanto, tirante os exageros lógicos e asbtracionistas dos positivistas, é indefendível concentrar-se somente nas abstrações jurídicas sem atender aos fatos. E isso derruba por terra o sonhado aspecto de “pureza” da ciência jurídica, visto que ela é contaminada pelo ser das ciências naturais.
A vontade de Kelsen e de todos os seus seguidores em estabelecer um abismo onde a ciência jurídica se “purificasse”, encontrou na realidade palpitante da vida, forte e pronta negação. O monumento de pureza ruiu diante do grande entrelaçamento epistêmico da ciência do Direito com os demais ramos do saber humano.

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