"In dubio pro societate" no Tribunal do Júri
A utilização de um princípio inexistente
Publicado por Denis Caramigo - 2 horas atrás
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Como forma de justificar a remessa de todo e qualquer processo para o Tribunal do Júri, alguns julgadores se utilizam do princípio in dubio pro societate.
Trata-se de um princípio (fictício) jurídico brasileiro, segundo o qual, mesmo que um juiz não tenha a certeza, mas esteja convencido pessoalmente da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, ele deverá pronunciar o acusado a Júri Popular, para que a própria sociedade decida pela condenação ou não do acusado.
Infelizmente é muito comum nos meios forenses, a aplicação do princípio in dubio pro societate para dar continuidade ao procedimento dos crimes dolosos contra a vida sem razoável conjunto probatório, na esperança de estarem dando efetivo cumprimento aos preceitos constitucionais de que o acusado por crime contra a vida deve ser julgado pelos seus pares.
Percebam que se no final da instrução em plenário, se permanecer a dúvida, absolve-se.
Diante disso, neste estudo, tem-se a pretensão de questionar o uso deste aforismo e se está ele de acordo com os princípios norteadores do direito processual penal brasileiro [1].
Cristalinas são as decisões recentes dos magistrados que estão guiando-se pelo interesse da sociedade em ver o réu submetido ao Tribunal do Júri, de modo que, havendo dúvida sobre sua responsabilidade penal, deve ser ele pronunciado. Com isso, o juiz decide “a favor” da sociedade.
A grande questão a ser invocada é a base constitucional do tão famigerado princípioin dúbio pro societate. Não existe! [2]
Cediço na jurisprudência a aplicação do princípio in dubio pro societate quando do recebimento da denúncia, o que pode ser verificado no exemplo:
TJ-SC (RESE n. 2009.071665-0, rel. Des. Rui Fortes, julgado em 06/04/2010): Recebimento da denúncia que não implica em juízo de certeza, mas de probabilidade de procedência da ação penal - observância ao princípio in dubio pro societate nesta fase processual - decisum parcialmente cassado - recurso provido [3]
Não se pode admitir que os juízes pactuem com acusações infundadas escondendo-se atrás de um princípio não recepcionado pela Constituição, para, burocraticamente, pronunciar réus, enviando-lhes para o Tribunal do Júri e desconsiderando o imenso risco que representa o julgamento nesse completo ritual judiciário.
Na dúvida, arquiva-se, tranca-se a Ação Penal ou absolve-se - in dubio pro reo - e nunca se processa, pronuncia-se ou condena-se - in dubio pro societate.
Também é equivocado afirmar-se que, se não fosse assim, a pronúncia já seria a “condenação” do réu.
A pronúncia é um juízo de probabilidade, não definitivo, até porque, após ela, quem efetivamente julgará são os jurados, ou seja, é outro julgamento a partir de outros elementos, essencialmente aqueles trazidos no debate em plenário.
Portanto, a pronúncia não vincula o julgamento, e deve o juiz evitar o imenso risco de submeter alguém ao júri, quando não houver elementos probatórios suficientes (verossimilhança) de autoria e materialidade. A dúvida razoável não pode conduzir à pronúncia (Lopes Jr, 2013, p.1012).
Nessa linha, vale o in dúbio pro reo para absolver sumariamente o réu que tiver agido ao abrigo da legítima defesa; impronunciar réus em que a autoria não esteja razoavelmente demonstrada; desclassificar para crime culposo as abusivas acusações por homicídio doloso (dolo eventual) em acidentes de trânsito, onde o acusador não fez prova robusta do elemento subjetivo.
O princípio in dúbio pro societate não é compatível com o Estado Democrático de Direito, onde a dúvida não pode autorizar uma condenação, colocando uma pessoa no banco dos réus [...] O Ministério Público, como defensor da ordem jurídica e dos direitos individuais e sociais indisponíveis, não pode, com base na dúvida, manchar a dignidade da pessoa humana e ameaçar a liberdade de locomoção com uma acusação penal. [4]
Não há, reforçando o que já dissemos anteriormente, nenhum dispositivo legal que autorize o chamado princípio in dúbio pro societate.
A fundamentação para esse "princípio" é a de que, na fase inicial do processo, "não seria razoável exigir que o Ministério Público descrevesse de forma minuciosa os atos atribuídos a cada um dos denunciados, sob pena de adentrar-se num cipoal fático". [5]
O ônus da prova é do Estado e não do investigado. Se há dúvida é porque o Ministério Público não logrou êxito na acusação que formulou em sua denúncia, sob o aspecto da autoria e materialidade, não sendo admissível que sua falência funcional seja resolvida em desfavor do acusado, mandando-o a júri, onde o sistema que impera é o da íntima convicção.
A desculpa de que os jurados são soberanos não pode autorizar uma condenação com base na dúvida.
O Júri é um direito fundamental, sendo certa a sua inscrição como cláusula pétrea naConstituição.
Urge, que com a sua reforma, também, atente o aplicador do direito nos princípios constitucionais penais, em especial o da plenitude da defesa, e da presunção de inocência.
Embora se reconheça, em principio, ser o Tribunal do Júri o juiz natural para os crimes dolosos contra a vida, também se reconhece o controle de todo e qualquer ato estatal.
A evolução humanista da sociedade impede que a sentença da pronúncia, siga o velho modelo da dúvida para a sociedade, pois estando em jogo o direito supremo da liberdade, deve o juiz optar por todos os modelos procedimentais postos à sua disposição na absolvição sumária, antes de enviar o réu ao Tribunal Popular do Júri, onde, aumentam as chances de sua condenação, ou impronunciar o acusado, deixando o processo em estado de eterna indecisão (IBCCRIM, 2009).
Sendo assim, [...] o que deve contar não é o interesse da sociedade, que tem naConstituição Federal, que prioriza o ser humano, o devido tratamento, mas o respeito à dignidade do ser humano, qualquer que seja o crime que lhe é imputado. [6]
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