domingo, 31 de janeiro de 2016

O Discurso de Ódio

O Discurso de Ódio

É livre a expressão do pensamento! Já parou para pensar quanto perigo há nesta afirmação?

Publicado por Jeferson Bruno Mendrot - 1 dia atrás
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Para começar é importante lembrar que o pensamento é livre e irrestrito, o Direito se ocupa em tutelar a expressão deste pensamento. Quando se fala em expressão do pensamento, isso não se limita à fala ou a escrita, mas se estende por todas as formas de se expressar já conhecidas pelo homem.
A Liberdade de expressão sempre foi muito cara aos liberalistas, igualmente a liberdade de imprensa, afinal essas liberdades garantiam a propagação de seus ideais. O pensamento liberalista acerca da liberdade de expressão é bem representado pela celebre frase atribuída a Voltaire (1694-1778) "Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dize-lo".
No sistema liberalista a liberdade de expressão, bem como outras liberdades, eram irrestritas, não conheciam parâmetros. A liberdade de expressão abarcava livremente o discurso incitador de ódio sem sofrer nenhuma restrição, que negava a grupos minoritários e alvo de discriminação a própria liberdade de se expressar, esse discurso como se verá mais a frente cala seus alvos e lhes diminui a dignidade e cidadania. A experiência liberalista se mostrou impotente em resolver os problemas das desigualdades sociais. O Estado mínimo ampliou as desigualdades entre os extratos sociais, afirmação prontamente explicitada pela análise realizada por Marx sobre o sistema capitalista.
Apontado o fracasso do sistema liberal, institui-se o que se convencionou chamar de Estado social, onde o Estado tem a função de equilibrar as desigualdades (John Rawls) e neste momento, as liberdades começam a receber parâmetros de aplicação e de certo modo limites. É o caso da conturbada relação entre a liberdade de expressão e o discurso de ódio.
Faz-se mister entender o conceito de discurso de ódio e seus malefícios na sociedade. A literatura sobre o tema é escassa porém coesa. Não há grandes divergências acerca do conceito de Discurso de ódio, a definição de Winfried Brugger (2007) é baseada numa coletânea de definições composta por Anja Zimmer, o Código Penal Alemão, e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, que se resume da seguinte forma:
"O discurso de ódio refere-se a palavras que tendem a insultar, intimidar ou assediar pessoas em virtude de sua raça, cor, etnicidade, nacionalidade, sexo ou religião, ou que tem capacidade de instigar violência, ódio ou discriminação contra tais pessoas".
Assim, discurso de ódio é composto por dois elementos, o primeiro é a externalidade pois discurso não externado é pensamento, emoção ou simplesmente ódio. O segundo elemento é a discriminação, entende-se discriminação segundo Silva (2011) a externalização de desprezo por pessoas que compartilha de alguma característica que as torna componentes de um grupo. Waldron (2010) afirma que a relação entre o emissor da mensagem caracterizada como discurso de ódio e seu alvo é de superioridade e inferioridade. O emissor ao se enfocar nas características a serem discriminadas se coloca em posição superior, no mesmo momento em que aquele que é alvo de seu ódio é inferiorizado. O processo de inferiorização, ainda segundo Waldron, é basilar pois depois que o emissor consegue que seu alvo ocupe a posição de inferioridade, a supressão de dignidade deste é consequência natural.
Ainda caracterizando formalmente o discurso de ódio mais dois elementos, o insulto ressaltando negativamente a característica que define o grupo e a instigação. O segundo elemento mais grave que o primeiro, se for possível uma graduação de gravidade, pois o insulto sem a instigação é apenas ofensa geradora de dano moral. Quando o insulto é associado à instigação há formada a característica mais prejudicial do discurso de ódio, o incitamento ao ódio. Ação que leva pessoas que não partilham da característica daquele grupo que está sendo alvo do discurso a concordarem com tal, e possivelmente propagarem o processo gerador de ódio, e no que concerne à propagação, com o advento da internet e das redes sociais, o alcance não pode ser mensurado e os efeitos menos ainda.
Entendido o conceito de discurso de ódio cabe entender agora o impacto que este causa nas minorias atingidas. O primeiro impacto a ser entendido são as limitações à liberdade no espaço público. Representantes de minorias sociais no espaço público estão muito mais expostas à agressões físicas e verbais do que os outros, Nielsen (2006) entrevistou cem pessoas nas localidades de Berkeley/Oakland, São Francisco e Orinda, nos EUA, com a preocupação de assegurar uma ampla representação de etnias, status socioeconômico e de gênero. Onde indagou representantes de diferentes grupos sociais acerca de manifestações discriminatórias de que foram vítimas no espaço público. Objetivo da autora era constatar em que medida o racismo e o sexismo tornavam, respectivamente "não-brancos" e mulheres desproporcionalmente destinatários de discurso ofensivo.
A análise dos dados coletados levou à conclusão de que "estar em público é diferente para pessoas de diferentes etnias e gêneros." De acordo com dados da pesquisa apenas 5% dos indivíduos caucasianos entrevistados afirmaram sofrer com discursos racistas todos os dias/ com frequência, enquanto 46% das pessoas "não brancas" entrevistadas disseram o mesmo. A pesquisa, mais do que apresentar em porcentagem que as minorias são mais propensas a sofrer agressões nos espaços públicos, mostra que as pessoas alvos deste tipo de agressão, escolhem o dia e horário para frequentar determinados lugares, e ainda decidem sua rota levando em consideração o fato de estar acompanhados ou não. A perspectiva dada pelos resultados obtidos por Nielsen mostra que o espaço público é ocupado de forma diferente entre pessoas que integram grupos minoritários e os que não os integram. Portanto o primeiro impacto o discurso de ódio é a limitação ao espaço público às minorias.
O impacto psicológico e os efeitos psicossomáticos engendrados pelo discurso de ódio também possuem relevância no que tange aos efeitos deste tipo de discurso no indivíduo vítima. A constante afirmação negativa acerca da característica inerente ao indivíduo introjeta uma lógica diferencialista e inferiorizante. Segundo Oliva (2015)
"Nesse processo, geram uma forte resistência interna à aceitação dos próprios desejos [e características] e com isso, muitas vezes, distúrbios psicológicos como depressão, vergonha, ansiedade e sentimento de culpa. Isso ocorre porque o senso individual de dignidade humana e de pertencimento à comunidade é ligado intimamente à preocupação e ao respeito dispensado ao grupo social ao qual o indivíduo pertence".
Mesmo que consigam superar o impacto psicológico, ainda segundo Oliva, o indivíduo aceita a sua diferença de status, adequando-se à imagem socialmente construída. Sarmento discorrendo sobre esse processo de aceitação e adequação à imagem socialmente construída afirma que é fator gerador de uma sensação de baixa autoestima que "se conecta não só ao bem-estar psíquico, mas à sua própria capacidade de eleger e de perseguir autonomamente os seus planos de vida." Que seria o mesmo que dizer que os representantes de minorias, alvo de discurso de ódio tem suas potencialidades reduzidas.
Dois dos impactos vistos são ligados diretamente a reação particular de indivíduos exposto sistematicamente ao discurso de ódio. Não menos relevante, existe e devem ser ponderados os impactos sociais do discurso de ódio, quais sejam segundo Oliva (2015) a hostilidade social e o desestímulo à pluralidade e déficit democrático;
Sobre a hostilidade social, é bastante informar que o discurso de ódio é combustível para a animosidade entre grupos sociais. Waldron (2012 p.84) pondera que no momento em que as sociedades se tornam cada vez mais multiculturais, é especialmente importante a afirmação de uma garantia pública de inclusividade e respeito. O discurso de ódio existe para atacar "o senso de segurança no qual membros de minorias confiam para conduzir sua vida em sociedade". Por fim a existência de tal discurso mina o projeto de coexistência harmoniosa de grupos distintos, criando uma atmosfera hostil propícia a formas ainda mais concretas de violência.
O empobrecimento do debate público é outro aspecto negativo do discurso de ódio. Ao inferiorizar um determinado grupo social, retira a legitimidade da sua visão de mundo, este tipo de discurso tem a característica de retrair as pessoas que compõe esse grupo, retirando suas opiniões e ponto de vista do debate público. O discurso odiento leva a sociedade a desconsiderar a opinião das pessoas que compõe a minoria afetada pelo ódio, ação que leva à diminuição da cidadania destas pessoas e ao mesmo tempo ao desinteresse destas pelos assuntos públicos, uma vez que as suas vozes não alcançam a todos. Sobre o efeito silenciador deste tipo de discurso, Fiss (2005) escrever que:
"o discurso de incitação ao ódio tende a diminuir a autoestima das vítimas, impedindo assim a sua integral participação em várias atividades da sociedade civil, incluindo o debate público. Mesmo quando essas vítimas falam, falta autoridade as suas palavras; é como se elas nada dissessem".
Por fim, o bem tutelado pelo direito e ameaçado pelo discurso de ódio é a dignidade da pessoa humana. O grupo ou a pessoa atingida por esse discurso tem afetado diretamente a sua dignidade, a "desumanização" do alvo é o objetivo premente do autor do discurso odiento, pois descaracterizada a humanidade do seu alvo, este se torna passivo da supressão de qualquer cidadania e direitos inerentes ao homem enquanto ser social. É a própria exclusão fonte precursora de toda degradação social e física do alvo do discurso.
A liberdade de expressão garante o conhecimento, e o conhecimento garante todas as outras liberdade, por isso é ela a mais importante das liberdades, e deve ser defendida por todos. Mas o discurso de ódio não pode ser entendido como mero efeito colateral da liberdade de expressão. Deve ser entendido como ameaça ao conhecimento e às liberdades. Conhecer o discurso de ódio e combate-lo prontamente com argumentos é o caminho que leva a uma sociedade onde todos desfrutam da igualdade.

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