domingo, 31 de janeiro de 2016

A prisão ilegal e a responsabilidade civil do Estado


A prisão ilegal e a responsabilidade civil do Estado

Publicado por Letícia Alvarenga - 2 dias atrás
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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho, intitulado “A prisão ilegal e a responsabilidade civil do Estado”, constitui-se no estudo dos danos sofridos pelo particular em decorrência de prisões ilegais praticadas pelo ente estatal, especificamente por parte de um de seus Poderes, qual seja, o Poder Judiciário.
Quando o Estado, através de seus agentes, decreta a prisão indevida de alguém, está interferindo diretamente nos direitos e garantias individuais estabelecidos pelaConstituição Federal de 1988.
Conforme veremos, a responsabilidade do Estado em decorrência de erro judiciário, está expressamente prevista no artigo , em seu inciso LXXV, da Constituição Federal. Nestes termos, o Estado obrigatoriamente indenizará aquele que ficar preso além do tempo fixado na sentença. O Estado também estará obrigado a indenizar quando o erro judiciário ficar desde logo evidenciado, como o individuo preso, injustamente, sem motivo aparente; excesso de prazo, omissão; prisão sem as formalidades legais; entre outros.
Para a realização do estudo, foram utilizadas as formas de pesquisa bibliográfica, através de doutrinas e jurisprudências, bem como a legislação atual vigente no ordenamento jurídico brasileiro.
Quanto à abordagem do tema pesquisado será utilizada a pesquisa teórica. O método utilizado foi o dedutivo, tendo em vista que foi o mais adequado para levar a uma conclusão lógica acerca da possibilidade de reparação civil estatal diante da prisão ilegal.

2 A PRISÃO E SUAS CARACTERÍSTICAS

2.1 CONCEITO E ESPÉCIES
Os conceitos relacionados à prisão são os mais diversos possíveis, uma vez que cada doutrinador define seu conceito e suas características.
Para Arnaldo Quirino, prisão nada mais é do que a restrição da liberdade individual como forma de punição estatal em consequência da prática de um delito[1].
Nesse mesmo sentido, Fernando Capez define prisão como a privação da liberdade de locomoção, em virtude de flagrante delito ou determinada por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente[2].
É medida extrema do Estado contra a liberdade individual, e só pode advir de decisão condenatória transitada em julgado, emanada pela autoridade competente, após o devido processo legal.
Entretanto, é possível que a prisão se dê antes do trânsito em julgado, como explica Quirino:
Num autêntico estado de direito no qual as liberdades individuais devem ser respeitadas, a prisão de qualquer indivíduo antes que seja proferido o julgamento definitivo (trânsito em julgado) somente se justifica por razões de necessidade de manter-se a ordem e a segurança da sociedade em detrimento da liberdade individual, e deve ter por finalidade a efetividade do processo penal[3].
Assim estabelece o Código de Processo Penal em seu artigo 283:
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
É a chamada prisão processual ou sem pena, no qual não possui conotação de sanção penal. Limita a excepcionalidade, pois a regra é que a prisão só ocorra com o advento da sentença transitada em julgado. Sua natureza é acautelatória, visando o bom andamento da investigação e do processo, pois há casos em que não se pode esperar o trânsito em julgado para ser decretada a prisão.
Nesse prisma, afirma Fernando Capez:
É imposta apenas para garantir que o processo atinja seus fins. Seu caráter é auxiliar e sua razão de ser é viabilizar a correta e eficaz persecução penal. Não tem nada a ver com a gravidade da acusação por si só, tampouco com o clamor popular, mas com a satisfação de necessidades acautelatórias da investigação criminal e respectivo processo[4].
Já a prisão-pena, também chamada de prisão-penal, é decretada em decorrência de uma sentença transitada em julgado, após o devido processo legal. Ou seja, é a restrição da liberdade individual em razão da aplicação de uma pena ou sanção definitiva ao infrator, decorrente do legítimo exercício do direito punitivo do Estado[5].
A prisão extra-penal, é assim chamada, em decorrência da ausência de pena. Seu objetivo é compelir ao cumprimento de determinada obrigação. Divide-se em prisão civil, administrativa e disciplinar militar.
A prisão civil, atualmente, só cabe contra o devedor de alimentos. Muito se discutiu sobre a prisão do depositário infiel, prevista na Constituição Federal no artigo , inciso LXVII e vedada pelo Pacto São José da Costa Rica. Contudo, após a decisão do HC 87.585/TO, o Pacto de São José da Costa Rica torna inaplicável à legislação com ele conflitante. Também foi editada a Súmula 419 do STJ: Descabe a prisão civil do depositário infiel; e a Súmula Vinculante nº. 25 do STF: É ilícita a prisão do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.
Na prisão administrativa há uma irregularidade administrativa. Capez a conceitua como aquela decretada por autoridade administrativa para compelir o devedor ao cumprimento de uma obrigação[6].
Porém, tal modalidade foi abolida pela nova ordem constitucional. Segundo o STF o único caso em que cabe a prisão administrativa é a do estrangeiro durante o procedimento administrativo de extradição.
E a prisão disciplinar militar, é cabível em casos de transgressões militares.
Para Capez também há a prisão para averiguação. Definida como a privação momentânea da liberdade com a finalidade de averiguação. Essa prisão além de ser considerada inconstitucional, caracteriza abuso de autoridade[7].
2.2 FORMALIDADES DA PRISÃO
Diversas formalidades necessitam serem seguidas no momento da prisão, como veremos a seguir:
2.2.1 MANDADO DE PRISÃO
A primeira formalidade a ser observada é o mandado de prisão. O mandado constitui-se em uma ordem judicial escrita e fundamentada. É o título que viabiliza a prisão, ressalvadas as hipóteses de dispensa, devendo atender alguns requisitos, sendo eles:
a) Deverá ser lavrado por escrivão e assinado pela autoridade competente, sob pena de ilegalidade manifesta da prisão;
b) Designará a pessoa que deve ser presa pelo nome, alcunha, ou sinais característicos;
c) Mencionará a infração penal que motivar a prisão;
d) Declarará o valor da fiança arbitrada, quando afiançável a infração;
e) Será dirigido a quem tiver qualidade para dar-lhe execução.
O mandado poderá ser cumprido em qualquer dia e qualquer hora, respeitada a inviolabilidade do domicílio. A Constituição estabelece em seu artigo , inciso XI, que a casa é o sigilo inviolável do individuo, portanto ninguém nela poderá adentrar sem seu consentimento, salvo nos casos de flagrante delito ou desastre, para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação legal.
Contudo, não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências durante o dia para efetuar prisão ou outra diligência, observada as formalidades legais; a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo praticado ou na iminência de o ser.
Porém, em regra, o mandado de prisão só pode ser cumprido durante o dia.
Embora a lei processual não faça distinção acerca do período compreendido como dia e noite, ficando tal definição a cargo da doutrina.
Nestor Távora e Romar Rodrigues entendem como dia, o período entre as seis e as dezoito horas, de acordo com a localidade onde a diligência será cumprida e não o horário de Brasília[8].
Aury Lopes Junior, entende que se deve aplicar analogicamente o que diz o CPC, considerando noite o período compreendido entre 20 horas e 6 horas[9].
Durante a noite, não é possível o cumprimento do mandado de prisão, conforme diz Fernando Capez:
Ao anoitecer, o mandado já não poderá ser cumprido, salvo se o morador consentir, pois à noite não se realiza nenhuma diligência no interior do domicilio, nem mesmo com a autorização judicial. Deve-se aguardar até o amanhecer e, então, arrombar a porta e cumprir o mandado. A violação do domicilio à noite, para cumprir o mandado, sujeita o violador a crime de abuso de autoridade, consistente em “executar medida privativa de liberdade sem as legalidades formais ou com abuso de poder” (Lei nº. 4.898/65 artigo 4º, a)[10].
Sendo noite, o executor, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e, logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão. É o que dispõe o artigo 293 do CPP.
Logo após a prisão, será entregue ao preso, cópia do mandado, informando o dia, a hora e o local da diligência (nota de culpa), afim de que o cidadão tome ciência do motivo por qual está sendo preso.
O preso será informado de seus direito, dentro os quais o de permanecer calado e a identificação do responsável pela sua prisão. E também lhe será assegurado assistência da família e do advogado.
Nada impede que a prisão seja feita sem a apresentação de mandado, desde que o preso seja imediatamente entregue à autoridade que tenha expedido a ordem.
Para maior efetividade, a autoridade deverá providenciar o registro do mandado de prisão no banco de dados do CNJ, o que facilitará seu cumprimento por qualquer agente policial, uma vez que confere maior publicidade.. Contudo, caso o mandado não esteja registrado no CNJ, qualquer agente policial pode efetivar a prisão, desde que verifique sua autenticidade, bem como registrá-lo no CNJ. Realizada a prisão, deverá ser comunicado imediatamente ao juiz local do cumprimento do mandado, que por sua vez, deve comunicar o juiz que a decretou, assim como providenciar certidão extraída do registro no CNJ[11].
2.2.2 PRISÃO EM PERSEGUIÇÃO
Na hipótese de perseguição, o executor poderá efetuar a prisão em outro Município ou Estado, desde que dentro do território nacional, ou seja, local diverso da comarca originária. Realizada a prisão, o preso deverá ser imediatamente apresentado à autoridade local, e depois de lavrado o auto de prisão em flagrante, se for o caso, providenciar a remoção do mesmo. É o que dispõe o artigo 290, primeira parte, doCPP.
E em seu parágrafo primeiro, o artigo 290 explica o que se entende por perseguição:
a) Tendo-o avistado, for perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenha perdido de vista;
b) Sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for ao seu encalço.
Se em razão da perseguição o agente adentrar em residência, por não ter havido interrupção da perseguição e diante da situação de flagrância, independente se é dia ou noite, pois, por autorização constitucional, o ingresso ocorreria para concretizar o flagrante, tendo pleno cabimento[12].
Se não estiver em perseguição, a captura poderá ser requisitada pelo mandado judicial, por qualquer meio de comunicação, tomadas as precauções necessárias para averiguar sua autenticidade[13].
2.2.3 PRISÃO EM TERRITÓRIO DIVERSO DA ATUAÇÃO JUDICIAL
Se o agente encontra-se em território nacional, mas em território diverso da atuação judicial, a prisão será deprecada, devendo a precatória conter o inteiro teor do mandado. E se houver urgência, o juiz poderá requisitar a prisão por qualquer meio de comunicação, o qual deverá conter o motivo da prisão e a fiança arbitrada, conforme dispõe o artigo 289 do CPP.
E para dar maior segurança, a autoridade a quem se fizer a requisição tomará as precauções necessárias para averiguar a autenticidade da comunicação, o que vem expresso no § 2º do artigo citado.
O juiz processante deverá providenciar a remoção do preso no prazo de trinta dias, contados da efetivação da medida. Assim como o registro do mandado de prisão em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça, conforme já falado.
2.2.4 PRISÃO ESPECIAL
Algumas pessoas, em razão da função desempenhada ou da condição especial que ostentam, têm direito ao recolhimento em quartéis ou a prisão especial. Essa prisão se dará enquanto estiverem na condição de presos provisórios, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, o que está previsto no artigo 295 do CPP, que assim dispõe:
Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva:
I – os ministros de Estado;
II – os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia;
III – os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembleias Legislativas dos Estados;
IV- os cidadãos inscritos no “Livro de Mérito”;
V – os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
VI – os magistrados;
VII – os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República;
VIII – os ministros de confissão religiosa;
IX – os ministros do Tribunal de Contas;
X – os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função;
XI – os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos.
Como se observa, o artigo 295 traz um extenso rol das pessoas que gozam da prisão especial, sem prejuízo da vasta legislação extravagante a respeito.
O advogado, por sua vez, tem seu direito à prisão especial, previsto no artigo 7º do Estatuto da OAB, que deve ser garantida em sala de Estado Maior:
Art. 7º. São direitos do advogado:
V – não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta em prisão domiciliar.
Conclui-se, portanto, que o advogado deverá ser recolhido em sala de Estado Maior, na falta desta, em prisão domiciliar. Assim também entende o STF, assim como diz Leonardo Barreto Moreira Alves:
Essa prisão especial do advogado deve ser garantida em sala do Estado Maior, com instalações e comodidades condignas e, na sua falta, em prisão domiciliar. Esclareça-se que, inexistindo sala de Estado Maior na localidade, é direito público subjetivo do advogado ser recolhido em prisão domiciliar, conforme entendimento do STF (Rei n515/SP, Rei. Min Celso de Mello, DJe 7/4/n). É a posição que merece prevalecer, embota, em julgado mais recente, a 5ª Turma do STJ tenha entendido que a falta de sala especial na localidade não garantiria ao advogado o direito à prisão domiciliar, conforme noticia divulgada no portal deste tribunal em 17/01/2014 (http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398él:tmp.texto=112976)[14].
Quanto às pessoas mencionadas no caput do artigo 295, o STF decidiu que na falta das acomodações adequadas, o titular do benefício poderá ficar preso em estabelecimento militar[15].
Vale lembrar que a prisão especial só poderá ser concedida durante o inquérito policial ou processo, pois, após a condenação transitada em julgado, o titular do benefício deverá ser recolhido em estabelecimento comum.
Os efeitos da prisão especial são dois:
a) Recolhimento em estabelecimento distinto do comum ou em cela distinta dentro do mesmo estabelecimento, o que está previsto nos §§ 1º e  do artigo 295 doCPP:
§ 1º. A prisão especial, prevista neste Código ou em outras leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum.
§ 2º. Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento.
b) Não ser transportado junto com o comum, conforme o § 4º do mesmo artigo:
§ 4º. O preso especial não será transportado juntamente com o preso comum.
Os demais direitos e deveres serão iguais ao preso comum.

3 MODALIDADES DE PRISÃO CAUTELAR

3.1 PRISÃO EM FLAGRANTE
Para Fernando Capez, flagrante é o delito que ainda queima, isto é, que está sendo cometido ou acabou de sê-lo. É medida restritiva da liberdade, de natureza cautelar e processual. Consiste na prisão, independente de ordem judicial, de quem é surpreendido cometendo, ou logo após a prática de um crime ou infração penal[16].
Neste mesmo sentido, é o entendimento de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar:
Flagrante é o delito que ainda “queima”, ou seja, é aquele que está sendo cometido ou acabou de sê-lo. A prisão em flagrante é a que resulta no momento e no local do crime. É uma medida restritiva de liberdade, de natureza cautelar e caráter eminentemente administrativo, que não exige ordem escrita do juiz, porque o fato ocorre de inopino.
Portanto, a prisão em flagrante tem caráter administrativo, pois não necessita de ordem escrita do juiz, qualquer do povo, as autoridades policiais e seus agentes deverão prender aquele que seja encontrado em flagrante delito, o que está devidamente expresso no artigo 301 do CPP.
3.1.1 ESPÉCIES DE FLAGRANTE
As espécies de flagrante são:
a) Flagrante próprio
Também chamado de propriamente dito, real ou verdadeiro. Está previsto no artigo302, incisos I e II do CPP:
Art. 302. Considera-se flagrante delito quem:
I – está cometendo a infração penal;
II – acaba de cometê-la;
Portanto, o flagrante próprio é aquele em que o agente é surpreendido cometendo a infração ou quando acaba de cometê-la.
b) Flagrante impróprio
O flagrante impróprio também é chamado de irreal ou quase flagrante. Ocorre quando o agente é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração. E está previsto no inciso III, do artigo 302 do CPP.
c) Flagrante presumido
Também chamado de ficto ou assimilado. Nele o agente é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração.
Neste caso, não há necessidade de perseguição, bastando que o agente seja encontrado logo após a prática do delito em situação suspeita[17].
d) Flagrante compulsório ou obrigatório
Ocorre em qualquer das hipóteses prevista n artigo 302 do CPP.
Távora e Alencar definem o flagrante compulsório como:
Alcança a atuação das forças de segurança, englobando as policiais civil, militar, rodoviária, ferroviária e o corpo de bombeiro militar (art. 144 da CF). Estas têm o dever de efetuar prisão em flagrante, sempre que a hipótese se apresente (art. 301,infine, CPP”. Entendemos que esta obrigatoriedade perdura enquanto os integrantes estiverem em serviço. Durante as férias, licenças, folgas, os policiais atuam como qualquer cidadão, e a obrigatoriedade cede espaço à mera faculdade.
Já os integrantes da guarda civil metropolitana não estão obrigados à realização da prisão em flagrante, sendo mera faculdade[18].
Portanto, o agente é obrigado a efetuar a prisão, sem discricionariedade sobre a conveniência ou não de efetivá-la.
e) Flagrante facultativo
É aquele realizado por qualquer pessoa do povo, que não esteja obrigada a efetivá-la.
Está prevista no artigo 301, primeira parte do CPP:
Art. 301. Qualquer do povo poderá (...) prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
f) Flagrante preparado ou provocado
Também é chamado de delito ensaio, delito de experiência ou delito putativo por obra do agente provocador.
Távora e Alencar definem como sendo aquele em que o agente é induzido ou instigado a cometer o delito, e, neste momento, acaba sendo preso em flagrante[19].
Capez classifica como crime impossível:
Trata-se de modalidade de crime impossível, pois, embora o meio empregado e o objeto material sejam idôneos, há um conjunto de circunstâncias previamente preparadas que eliminam totalmente a possibilidade da produção do resultado. Assim, podemos dizer que existe flagrante preparado ou provocado quando o agente policial ou terceiro, conhecido como provocador, induz o autor à prática do crime, viciando sua vontade, e, logo em seguida, o prende em flagrante. Neste caso, em face da ausência de vontade livre e espontânea do infrator e da ocorrência de crime impossível, a conduta é considerada atípica. Está é a posição do STF, consubstanciada na Súmula 145: “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação[20].
g) Flagrante esperado
Leva-se ao conhecimento da polícia a noticia de que um crime será cometido, neste caso, então, a policia antecipa-se ao criminoso, aguardando-se de campana, o início dos atos executórios para a efetivação da prisão em flagrante.
Ao contrário do flagrante provocado, o esperado é absolutamente válido.
h) Flagrante prorrogado ou retardado
Está previsto no artigo 8º da Lei de Organização Criminosa, na qual consiste em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento, para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.
Difere do flagrante esperado, pois o agente é obrigado a efetuar a prisão em flagrante no primeiro momento em que ocorrer o delito, enquanto no prorrogado, o agente policial tem a discricionariedade quanto ao momento da prisão[21].
i) Flagrante forjado
Também chamado de fabricado, maquinado ou urdido. Ocorre quando policiais ou terceiros criam provas de um crime inexistente. Neste caso, não existe crime, e o policial ou terceiro poderá responder por crime de abuso de autoridade.
3.2 PRISÃO PREVENTIVA
É a prisão processual de natureza cautelar, em que é decretada pelo juiz, em qualquer fase do inquérito policial ou do processo, antes do trânsito em julgado, sempre que preenchidos os requisitos legais e ocorrerem os motivos autorizadores[22].
A prisão preventiva somente poderá ser decretada nas hipóteses do artigo 313 doCPP.
Art. 313. Nos termos do artigo 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos;
II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-lei n.2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal;
III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;
IV – revogado.
Poderá ser decretada a qualquer momento durante a fase de investigação ou do processo penal, decretada de ofício no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial (artigo 311 CPP). Dessa decisão não cabe recurso, contudo, poderá ser impetrado habeas corpus.
No entanto, poderá ser revogada se, no decorrer do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevirem razões que a justifiquem.
Da decisão que indeferir ou revogar a prisão preventiva, cabe recurso em sentido estrito.
3.3 PRISÃO TEMPORÁRIA
Pacelli definiu a prisão temporária como aquela que tem como finalidade o acautelamento das investigações do inquérito policial, conforme se extrai do artigo , da Lei nº. 7.960/89[23].
Capez, por sua vez, define como a prisão cautelar de natureza processual destinada a possibilitar as investigações a respeito de crimes graves, durante o inquérito policial[24].
Será decretada nos casos previstos no artigo , da Lei nº. 7.960/89, que são eles:
Art. 1º. Caberá prisão temporária:
I – quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;
II – quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;
III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, da autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:
a) Homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2º);
b) Sequestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1º e 2º);
c) Roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1º, 2º e 3º);
d) Extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1º e 2º);
e) Extorsão mediante sequestro (art. 159, caput, e seus §§ 1º, 2º e 3º);
f) Estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único;
g) Atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223,caput, e parágrafo único);
h) Rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
i) Epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1º);
j) Envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com o art. 285);
l) Quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;
m) Genocídio (arts.  e  da Lei n. 2.889, de 1º-10-1956), em qualquer de suas formas típicas;
n) Tráfico de drogas (art. 12 da Lei n. 6.368, de 21-10-1076);
o) Crimes contra o sistema financeiro (Lei n. 7, 492, de 16-6-1986).
Será decretada pelo juiz, em face de representação de autoridade policial, ou requerimento do Ministério Público. Terá prazo de cinco dias, prorrogáveis por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade (art.  da Lei nº. 7.960/89). Este prazo não será computado naquele que deve ser respeitado para a conclusão da instrução criminal.

4 MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO

A s medidas cautelares diversas da prisão estão previstas no artigo 319 do CPP, em um rol taxativo.
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
IX - monitoração eletrônica.
Poderá ser decretada no curso da investigação criminal, mediante representação da autoridade policial, ou requerimento do Ministério Público. Durante o processo, poderá ser decretada de ofício, ou a requerimento de qualquer das partes.
Poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente (art. 282 CPP). Vedada a incidência à infração que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade (art. 283§ 1º do CPP).
No caso de descumprimento de qualquer das condições impostas, o juíz, de ofício, ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 282§ 4º do CPP).

5 LIBERDADE PROVISÓRIA

O artigo , inciso LXVI da CF prevê: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.
A liberdade provisória garante ao acusado o direito de aguardar em liberdade o deslinde do processo até o trânsito em julgado, vinculado ou não a certas obrigações impostas, podendo ser revogado a qualquer momento, diante do descumprimento das condições impostas[25].
Leonardo Barreto Moreira Alves diz que a liberdade provisória deve ser entendida como medida de contra cautela, pois o agente deverá ser colocado em liberdade quando a lei assim autorizar. Sendo assim, percebe-se que a regra é que o individuo tem o direito de responder ao processo em liberdade[26].
Leonardo Barreto Moreira Alves ainda explica os casos de cabimento da liberdade provisória:
Nesse sentido, vale a pena relembrar que a liberdade provisória é o remédio cabível para atacar uma prisão em flagrante legal desnecessária (jamais combate prisão preventiva). Todavia, se a prisão em flagrante for ilegal, o remédio a ser utilizado é o relaxamento desta prisão. Aliás, o instituto do relaxamento é bem genérico, aplicando-se a qualquer modalidade de prisão cautelar, desde que haja ilegalidade (TÁVORA; ALENCAR, 2009, p. 909). É por isso que, por exemplo, se admite o relaxamento da prisão preventiva se houver excesso de prazo na sua duração. Nesse contexto, o relaxamento da prisão cautelar ilegal poderá ser concedido por meio do habeas corpus, inclusive de ofício pelo julgador (art. 654§ 2º, do CPP), embora também possa ser deferida por simples decisão judicial, de ofício ou a requerimento da parte (TÁVORA; ALENCAR, 2009, p. 909). Além disso, para a prisão preventiva legal que se torna desnecessária, o remédio correto é a sua revogação (art. 316 do CPP). Quanto à prisão temporária, se esgotado o seu prazo de duração, ela deverá ser igualmente revogada[27].
Com o advento da Lei nº. 12.403/11 todo delito é afiançável, salvo nas hipóteses de expressa proibição para sua concessão, ou nos casos em que, embora não haja previsão de inafiançabilidade, o não cabimento da fiança decorre de impedimento legal a sua concessão, seja por motivos de quebra de fiança, de prisão civil ou militar, seja quando presentes os requisitos da preventiva[28].
5.1 ESPÉCIES
A liberdade provisória é classificada em:
a) Obrigatória
A liberdade obrigatória é um direito do acusado, ao qual não está sujeito a nenhuma condição.
O artigo 321 do CPP dispõe que ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no artigo 319 e observados os critérios constantes do artigo 282, ambos do mesmo diploma legal.
Távora e Alencar, concluem que a liberdade provisória obrigatória:
(1) será concedida pela autoridade policial mediante fiança, nas infrações que a comporte e que sejam de sua alçada (não se falando mais em liberdade provisória obrigatória); (2) pela autoridade judicial, com ou sem fiança, podendo aplicar em cumulação uma ou mais medidas cautelares diversas da prisão, elencadas no art.319 do CPP, bem como entender que não é o caso de impor condição alguma para a concessão da liberdade provisória (vale dizer, a liberdade provisória sem qualquer vinculação, sequer a de comparecer aos atos do processo, continua possível, porém seu deferimento passa a ser de competência exclusiva do juiz)[29].
b) Permitida
Ocorre nos casos em que ausentes os requisitos que autorizam a prisão preventiva. O juiz, então, deverá conceder a liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP, assim como a obrigatória.
c) Vedada
Capez afirma que é inconstitucional qualquer lei que proíba o juiz de conceder liberdade provisória, quando ausentes os motivos autorizadores da prisão preventiva, pouco importando a gravidade ou natureza do delito.
5.2 LIBERDADE PROVISÓRIA SEM FIANÇA
Apesar de não exigir fiança, a liberdade provisória é condicionada. O agente permanece em liberdade, contudo, submetendo-se às exigências legais.
Com a Lei 12.403/11 as hipóteses de deferimento da fiança foram ampliadas, passando a ser regra de que todo crime seja afiançável, salvo vedação ou impedimento previsto em lei. Entretanto, ainda é possível a concessão de liberdade provisória sem fiança.
Os artigos 323 e 324 do CPP trazem os casos em que não será concedida a fiança, que são eles:
Art. 323. Não será concedida fiança:
I – nos crimes de racismo;
II – nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos;
III – nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;
IV e V – (Revogados pela Lei n. 12.403 de 4-5-2011.).
Art. 324. Não será, igualmente concedida fiança:
I – aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringindo, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código;
II – em caso de prisão civil ou militar;
III – (Revogado pela Lei n. 12.403/11, de 4-5-2011.);
IV – quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).
5.3 LIBERDADE PROVISÓRIA COM FIANÇA
Távora e Alencar conceituam que a liberdade provisória mediante fiança é um direito subjetivo do beneficiário, que permanecerá em liberdade durante a persecução penal se atender aos requisitos legais e assumir as respectivas obrigações[30].
Fernando Capez conceitua fiança como sendo:
Consiste na prestação de uma caução de natureza real destinada a garantir o cumprimento das obrigações processuais de réu ou indiciado. Não se admite a de natureza fidejussória, ou seja, mediante a apresentação de um fiador, devendo ser prestada por meio de dinheiro, jóias ou qualquer objeto que tenha valor. O dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, se o réu for condenado (CPP, art. 336, caput)[31].
A liberdade provisória mediante fiança poderá ser concedida desde o momento da prisão em flagrante até o trânsito em julgado da sentença condenatória.
E de acordo com o art. 322 do CPP ela poderá ser concedida nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos.
O valor será fixado pela autoridade atendendo os limites previstos no art. 325 doCPP:
Art. 325. O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites:
I - de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos;
II - de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos.
§ 1o Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser:
I - dispensada, na forma do art. 350 deste Código;
II - reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou
III - aumentada em até 1.000 (mil) vezes.
A fiança obrigará o réu a comparecer em todos os atos processuais para os quais for intimado, não mudar de residência sem prévia autorização judicial e não se ausentar por mais de oito dias de sua residência sem prévia autorização do juízo.
A fiança que se reconheça não ser cabível na espécie, será cassada em qualquer fase do processo e quando reconhecida a existência de delito inafiançável, no caso de inovação na classificação do delito.
Será exigido o reforço da fiança quando ela for tomada, por engano, em valor insuficiente, quando inovada a classificação do delito ou quando houver depreciação do valor dos bens hipotecados ou caucionados.

6 RELAXAMENTO DA PRISÃO

Segundo o artigo , inciso LXV, da Constituição Federal, a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária.
O relaxamento não se restringe apenas à hipótese de prisão em flagrante delito, embora na prática, ocorra somente em relação a essa. Desta forma, o relaxamento da prisão tem ampla admissibilidade, servindo como instituto de controle para cessar a ilegalidade, pela concessão de ofício do habeas corpus, assim como preceitua o artigo 649 do CPP[32].
O relaxamento ocorrerá em todos os casos de ilegalidade, desde que tenham sido determinadas sem observância das previsões legais.
O relaxamento será cabível em qualquer procedimento e para quaisquer crimes, quando houver excesso de prazo ou outra irregularidade na constrição da liberdade[33].
Uma vez relaxada a prisão, o preso será solto sem a imposição de qualquer restrição de direito, pois trata-se de anulação do ato praticado com violação à lei[34]

7 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

7.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Até chegarmos ao estágio atual, que adota a teoria da responsabilidade objetiva, a responsabilidade passou por três fases principais:
7.1.1 TEORIA DA IRRESPONSABILIDADE ESTATAL
A teoria da irresponsabilidade do estado era própria dos Estados Absolutista, em que a vontade do rei tinha força de lei. Dessa maneira, impedia que os súditos pleiteassem indenizações por danos causados por atos do governo. Os governantes eram considerados “representantes de Deus na terra”, e prejuízos causados pelo Estado deveriam ser atribuídos a providência divida. E se Deus não erra, tal concepção se estendia aos governantes[35].
Tal teoria foi superada pela decisao de 1873, tomada pelo Tribunal de Conflitos da França, conhecida como Arresto Blanco, no qual foi analisado o caso da menina Agnès Blanco que, brincando nas ruas da cidade de Bordeaux, foi atingida por um pequeno vagão da Companhia Nacional de Manugatura de Fuma. O pai da criança entrou com uma ação de indenização fundada na ideia de que o Estado é civilmente responsável pelos prejuízos causados a terceiros na prestação de serviços públicos. O Arresto Blanco foi o primeiro posicionalmente definitivo favorável à condenação do Estado por danos decorrentes das atividades administrativas[36].
Foi fixado que a responsabilidade do Estado “não é nem geral nem absoluta”, e se regula por leis especiais[37].
7.1.2 TEORIA DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA
Por volta do século XIX, a teoria da irresponsabilidade foi superada e, então, passou-se a admitir, inicialmente, a responsabilidade do Estado, aplicando os princípios do direito civil, apoiado na ideia da culpa.
Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua que a responsabilidade subjetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento contrário ao Direito – culposo ou doloso – consistente em causar um dano a outrem ou em deixar de impedi-lo quando obrigado a isso[38].
Para fins da responsabilidade, distinguiam-se os atos de império e os atos de gestão, conforme Maia Sylvia Zanella Di Pietro esclarece:
Os primeiros seriam os praticados pela Administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular independentemente de autorização judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes; os segundos seriam praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares, para a conservação e desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão de seus serviços; como não difere a posição da Administração e a do particular, aplica-se a ambos o direito comum[39].
Assim, passou-se a admitir a responsabilidade do Estado quando decorrente de atos de gestão e afastá-la nos prejuízos decorrentes de atos de império, que são todos aqueles em que a Administração impõe unilateral e coercitivamente, usando de sua supremacia[40].
Foi criada a Teoria do Fisco. Tal teoria sustentava que o Estado possuía dupla personalidade: uma pessoa soberana, insuscetível à condenação indenizatória; e outra pessoa exclusivamente patrimonial, chamada de “fisco”, capaz de ressarcir eventuais danos causados pela atuação do governo.
Essa teoria pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Em não havendo culpa, não há responsabilidade. Portanto, há a necessidade de demonstrar a intenção de lesar – dolo.
A teoria subjetiva ainda é aplicada no direito público brasileiro, em especial quanto aos danos por omissão e na ação regressiva.
7.1.3 TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA
Essa teoria é também chamada de teoria da responsabilidade sem culpa, pois não há necessidade de comprovação de culpa ou dolo do agente.
Fundamenta o dever de indenizar na noção de risco administrativo. Quem presta serviço público assume o risco dos prejuízos que eventualmente possa causar, independente de culpa ou dolo.
Nesse sentido estabelece o artigo 927, em seu parágrafo único, do CC:
ART. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. S 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
A adoção da teoria objetiva transfere o debate sobre culpa ou dolo para a ação regressiva, que será intentada pelo Estado contra o agente público causador do dano.
Para essa teoria, o pagamento da indenização se dará após a comprovação, pela vítima, do ato, o dano e o nexo causal.
Ao invés de indagar sobre a falta de serviço, como ocorria na teoria subjetiva, a teoria objetiva exige apenas um fato do serviço, causador de danos ao particular.
Duas teorias foram desenvolvidas para a compreensão da responsabilidade objetiva: a teoria do risco integral e a teoria do risco administrativo.
A teoria do risco integral sustenta que a comprovação do ato, dano e nexo causal é suficiente para determinar a condenação estatal, sem qualquer excludente.
E é aplicada no Brasil em casos excepcionais:
a) Acidente do trabalho (infortunística): nas relações de emprego público, a ocorrência de eventual acidente de trabalho impõe ao Estado o dever de indenizar em quaisquer casos, aplicando-se a teoria do risco integral;
b) Indenização coberta pelo seguro obrigatório para automóveis (DPVAT): o pagamento da indenização do DPVAT é efetuado mediante simples prova do acidente e do dano decorrente, independentemente da existência de culpa, haja ou não resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do segurado (art. 5º da Lei n.6.194/74);
c) Atentados terroristas em aeronaves: por força do disposto nas Leis n.10.309/01 e n.10.744/03, a União assumiu despesas de responsabilidade civil perante terceiros na hipótese da ocorrência de danos a bens e pessoas, passageiros ou não, provocados por atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, ocorridos no Brasil ou no exterior, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público, excluídas as empresas de táxi-aéreo (art. da Lei n.10.744/03). Tecnicamente trata-se de uma responsabilidade estatal por ato de terceiro, mas que se sujeita à aplicação da teoria do risco integral porque não prevê excludentes ao dever de indenizar (...);
d) Dano ambiental: por força do art. 225§§ 2º e , da Constituição Federal, há quem sustente que a reparação de prejuízos ambientais causados pelo Estado seria submetida à teoria do risco integral. Porém, considerando a posição majoritária entre os jusambientalistas, é mais seguro defender em concursos a aplicação da teoria do risco administrativo para danos ambientais;
e) Dano nuclear: assim como ocorre com danos ambientais, alguns administrativistas têm defendido a aplicação da teoria do risco integral para reparação de prejuízos decorrentes da atividade nuclear, que constitui monopólio da União (art. 177V, daCF). (...)[41]
Enquanto que a teoria do risco administrativo reconhece as excludentes ao dever de indenizar, adotada pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37§ 6º [42].
7.2 EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO
A teoria da irresponsabilidade estatal não foi acolhida pelo direito brasileiro.
As Constituições de 1824 e 1891 não faziam nenhuma referência à responsabilidade do Estado por danos causados a particulares. Somente previam a responsabilidade do funcionário em decorrência de abuso ou omissão praticado no exercício de suas funções.
Código Civil, promulgado em 1916, adotou a teoria subjetiva civilista. Este código previa a responsabilização estatal por atos de seus representantes, nessa condição, aos danos causados a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito de regresso contra o causador do dano.
As Constituições de 1934 e 1937 acolheram o princípio da responsabilidade solidária entre o Estado e o funcionário. Os funcionários eram responsáveis solidários por quaisquer prejuízos causados.
A teoria da responsabilidade objetiva foi adotada na Constituição de 1946 por força de seu artigo 194, que previa:
As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.
Parágrafo único. Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.
E a partir de então, a discussão sobre culpa ou dolo foi deslocada para a ação regressiva.
A Carta de 1967 acrescentou em seu artigo 105parágrafo único, que a ação regressiva cabe em caso de culpa ou dolo, o que não estava disposto na Constituiçãoanterior.
Constituição de 1988, em seu artigo 37§ 6º, dispõe que:
Art. 37. A administração pública direita e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 6.º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Nesse mesmo sentido, o Código Civil de 2002 enfatiza a aplicação da teoria objetiva, conforme seu artigo 43:
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

8 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO EM CASO DE PRISÃO ILEGAL

A prisão ilegal é efetuada de forma contrária ao que está previsto na legislação, e viola direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, como o direito à dignidade da pessoa humana e à liberdade de locomoção, previstos em seus artigosIII e caput.
Além de violar a Carta Magna, a prisão ilegal ofende outras garantias previstas aos cidadãos, como o princípio da presunção da inocência, que encontra respaldo no artigo , inciso LVII, ao qual dispõe:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
Viola também o princípio do devido processo legal, que através do artigo 5º, inciso LIV, disciplina que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
E ao direito de ir e vir, pois todo cidadão tem direito à liberdade, só podendo ter sua liberdade cerceada em caso de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, assim definido em lei.
É garantido ao cidadão o direito de ser indenizado pelo Estado, sempre que injustamente tiver cerceado o seu direito à liberdade e à dignidade, em razão de atos praticados por agentes públicos.
Segundo o inciso LXXV da Constituição Federal, o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.
Nesse sentido, corrobora o artigo 37§ 6º da Carta Magna, que como dito anteriormente, dispõe que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Por ser a responsabilidade civil objetiva, não é necessária a demonstração de culpa ao dolo do Estado. Portanto, ao sujeito que for preso ilegalmente, é incontroverso o dever de indenização pelo Estado.
A jurisprudência acompanha esse entendimento:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRISÃO ILEGAL. INFORMAÇÃO DESATUALIZADA NO SISTEMA DA POLICIA MILITAR. FALHA DO SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MORAL CONFIGURADO. I - A responsabilidade na presente hipótese é objetiva, independentemente de prova de culpa, nos termos do artigo 37§ 6º, da Constituição Federal, sendo suficiente para o reconhecimento do dever de indenizar a ocorrência de um dano, a autoria e o nexo causal. II - O autor foi detido e conduzido à Delegacia de Polícia em razão de informação desatualizada no sistema da Policia Militar. III - Dano moral que se dá in re ipsa. Manutenção do montante indenizatório considerando o equívoco do réu, o aborrecimento e o transtorno sofridos pelo demandante, além do caráter punitivo-compensatório da reparação (R$ 2.000,00 - dois mil reais). Danos materiais não verificados no caso concreto. RECURSO DE APELAÇÃO DO ESTADO DESPROVIDO. RECURSO ADESIVO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70054826656, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 26/09/2013)[43].
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRISÃO ILEGAL. OFENSA MANIFESTA À LIBERDADE INDIVIDUAL. ART. , INCISOS LVII E LXI, DA CF. RESPONSABILIDADE OBJETIVA CARACTERIZADA. DANOS MORAIS. CONFIGURADOS. DANO MATERIAL. NÃO COMPROVADO. SENTENÇA REFORMADA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Nos termos do § 6º do art.37 da CF, para que a Administração Pública responda objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, basta comprovação do dano, o nexo de causalidade com o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pela vítima. II. O Estado deve responder por danos advindos de prisão ilegal de pessoa inocente, mantida sob custódia policial, sem situação de flagrância ou mandado judicial, não se admitindo cogitar-se em estrito cumprimento do dever legal, pois a legislação atual não permite a prisão para simples averiguação ou a agressão física ou verbal da pessoa custodiada. III. Cabe ao prudente arbítrio dos juízes e tribunais a adoção de critérios e parâmetros que norteiem as indenizações por dano moral, buscando evitar que o ressarcimento se traduza em enriquecimento ilícito ou em reparação insuficiente, sempre em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. IV. A comprovação do dano material, que é requisito inequívoco do dever de indenizar, bem como de sua extensão, compete à parte autora, por se tratar de fato constitutivo de seu direito, conforme a regra prevista no art. 333I do CPC. V. Ante o exposto, conheço e dou provimento parcial ao apelo, para reformar a sentença recorrida, tão somente para condenar o Estado do Maranhão a indenizar o apelante por danos morais no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), acrescidos de correção monetária e juros legais[44].
APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM DECORRÊNCIA DE PRISÃO ILEGAL E AGRESSÃO FÍSICA PRATICADA POR POLICIAIS MILITARES. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO SOB ACUSAÇÃO DA PRÁTICA DE CRIME DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR CONTRA MENOR. PERMANÊNCIA NA PRISÃO POR DOIS DIAS. PEDIDO JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE. RECURSO DE APELAÇÃO DA PARTE AUTORA. PLEITO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS SOFRIDOS PELO AUTOR E POR SUA ESPOSA. ALEGADO CONSTRANGIMENTO EM RAZÃO DA PRISÃO EFETUADA DE FORMA ILEGAL POR AUSÊNCIA DE ESTADO DE FLAGRÂNCIA. AGRESSÃO FÍSICA ENQUANTO ESTAVA SOB A CUSTÓDIA DO ESTADO. ABALO ANÍMICO RECONHECIDO TÃO-SOMENTE EM RELAÇÃO AO AUTOR E QUANTO À AGRESSÃO FÍSICA SOFRIDA ENQUANTO ESTEVE DETIDO. Preenchidas as condições de legalidade, não há direito de reparação pelo só fato de a prisão em flagrante ter sido relaxada e o conduzido liberado, mediante constatação, a posteriori, de que a acusação não era verdadeira, tendo os policiais agido no estrito cumprimento do dever legal. LEGALIDADE DA PRISÃO PORQUANTO EFETUADA APÓS ACIONAMENTO DO COPON E RECONHECIMENTO EFETUADO PELA VÍTIMA, QUE ACUSOU O AUTOR DE TÊ-LA MOLESTADO, QUANDO APRESENTADO PELOS POLICIAIS. CONSTATAÇÃO POSTERIOR DE QUE A VÍTIMA MENTIRA. IRRELEVÂNCIA PREENCHIMENTO, NO MOMENTO DOS FATOS, DOS REQUISITOS PARA A PRISÃO EM FLAGRANTE. AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR O ABALO MORAL DOS AUTORES EM RAZÃO DA PRISÃO. RECURSO DOS AUTORES DESPROVIDO NO PONTO. "Tendo as prisões cautelares (flagrante e preventiva) se baseado em meros indícios de autoria, não há que se falar em ilegalidade nos procedimentos, mesmo porque, nessa fase, milita o princípio do 'in dubio pro societate', ou seja, a dúvida é resolvida em favor do interesse da sociedade, não se exigindo, para tanto, prova exauriente de autoria. Logo, preenchidas as formalidades legais para a privação da liberdade do demandante indevida a composição dos alegados prejuízos". (TJSC, AC n. 2005.02605 [...][45].

9 CONCLUSÃO

A liberdade é um direito indisponível, e qualquer cerceamento da liberdade, além de ilegal, representa grave lesão à Constituição Federal e seus princípios norteadores.
Qualquer irregularidade que ocorra na prisão configura a prisão indevida, e o Estado será responsabilizado para que os danos causados a terceiros sejam integralmente reparados.
O Brasil adotou a Teoria da Responsabilidade Civil Objetiva, em que será necessária a comprovação do nexo causal entre a conduta do agente estatal e o dano sofrido pelo terceiro.
Os Tribunais acolhem a obrigação do Estado de indenizar aquele que sofreu a privação de sua liberdade ilegalmente.
E basta a comprovação da indevida privação da liberdade para que o Estado seja obrigado a indenizar o terceiro lesado.

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